Segundo relatório parcial da Comissão Pastoral da Terra, divulgado na sexta-feira, casos passaram de 9, em todo o ano de 2020, para 103, apenas até agosto; desses, 101 foram de indígenas Yanomami, muitos dos quais crianças
Por Mariana Franco Ramos
Ao menos 103 pessoas, sendo 101 indígenas Yanomamis, já morreram em decorrência de conflitos no campo em 2021. Os dados parciais fazem parte do relatório da Comissão Pastoral da Terra (CPT), divulgado nesta sexta-feira (10), Dia Internacional dos Direitos Humanos, e correspondem ao período que vai de 01 de janeiro a 31 de agosto. Os casos dispararam 1.044% em relação ao ano passado, quando foram contabilizadas nove situações. Conforme a CPT, a fonte de pesquisa não permite extrair o número exato por faixa etária.
Das 101 mortes, porém, é possível informar que em torno de 45 eram crianças. Nos últimos meses, fotografias de meninas e meninos muito magros, desnutridos, correram o mundo. Eles vivem na maior reserva indígena do país. São nove milhões de hectares dentro da Floresta Amazônica — uma área do tamanho de Portugal.
A maior parte das estatísticas foi apresentada no II Fórum de Lideranças Yanomami e Ye’Kwuana, ocorrido entre 4 e 7 de setembro de 2021, na região da Tabalascada, município de Cantá, ao norte de Roraima. Há grande dificuldade em estabelecer as datas exatas de ocorrência das mortes.
Ao longo do ano, invasões de garimpeiros ao território resultaram em assassinatos, agressões, ameaças, contaminação da água e desmatamento, além de serem vetores de doenças diversas, como a Covid-19. Cerca de 30 mil indígenas vivem na reserva, em mais de 300 comunidades.
Ainda segundo o documento, a falta de políticas públicas de saúde e alimentação expôs o alto índice de desnutrição que acomete as crianças yanomamis, muitas vezes mortalmente, e também evidenciou como doenças, a exemplo de malária, leishmaniose e pneumonia, matam esses povos. A ação criminosa de garimpeiros na TI, que coloca em risco a sobrevivência dos moradores. foi tema de reportagem do Fantástico.
A reação dos movimentos sociais à violência no campo em 2021 foi tema da última edição do programa semanal De Olho na Resistência, na quinta-feira. Confira:
ASSASSINATOS DE CAMPONESES DISPARAM EM 2021
A pesquisa da CPT mostra que, entre janeiro e novembro de 2021, foram registrados 26 assassinatos em conflitos no campo. O índice significa um aumento de 30% em relação a todo o ano anterior, quando aconteceram 20 casos. O número de sem-terra mortos passou de 2, em 2020, para 6, em 2021. Das 26 vítimas desse tipo de crime, 8 eram indígenas, 6 sem-terra, 3 posseiros, 3 quilombolas, 2 assentados, 2 pequenos proprietários e 2 quebradeiras de coco babaçu.
Em relação a 2020, o número de indígenas e quilombolas assassinados se manteve igual. A quantidade de sem-terra triplicou. Passou de 2, em 2020, para 6, em 2021.
Outro dado que chama a atenção é que todos os quilombolas assassinados em 2021 (3) eram do Maranhão, unidade da federação com o maior número de assassinatos no ano (9), cerca de um terço do total registrado até o momento. Em recente entrevista ao De Olho nos Ruralistas, o advogado Waldemir Soares Júnior, que atua junto a movimentos populares, falou sobre os casos e relacionou a impunidade à blindagem da mídia.
Em trinta anos, foram mais de 140 homicídios no estado e uma taxa de resolução baixíssima, de 5%, de acordo com a Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais e Agricultores Familiares (Fetaema).
Os registros mais recentes foram em Arari, município a 165 quilômetros de São Luís que tem como atividades principais a criação de animais e a pesca. No dia 29 de outubro, o camponês João de Deus Moreira Rodrigues, de 51 anos de idade, foi atingido por dois pistoleiros e morreu na porta de casa. Três meses antes, o camponês Antônio Gonçalo Diniz, de 70 anos, perdeu a vida em uma emboscada, enquanto esperava a conclusão da lavagem de sua moto.
Os 6 sem-terra mortos viviam na Amazônia; cinco deles em Rondônia. Todos eram integrantes da Liga dos Camponeses Pobres. Desses últimos casos, 3 foram mortos em um massacre no dia 13 de agosto, e 2 pelo Batalhão de Operações Especiais (Bope) da Polícia Militar (PM) de Rondônia e pela Força de Segurança Nacional, no Acampamento Ademar Ferreira, em Nova Mutum, distrito de Porto Velho. Esse foi o único massacre registrado pela CPT em 2021. O conflito na região continua muito tenso.
FAZENDEIROS, EMPRESÁRIOS E GOVERNO PROTAGONIZAM CONFLITOS
O número de posseiros assassinados, por sua vez, passou de 1, em 2020, para 3, em 2021, e de assentados de 1, em 2020, para 2 em 2021. Além disso, houve um aumento de 50% nas agressões, 200% nas ameaças de prisão,
1.100% nas humilhações, 14% na intimidação e 1.044% nas mortes em consequência.
Segundo a CPT, 418 territórios sofreram “Violência Contra Ocupação e a Posse” em 2021. Desses, 28% são áreas indígenas; 23% quilombolas; 14% são territórios de posseiros e 13% são territórios de sem-terras, entre outros. A “destruição de casa” aumentou 94%, a “destruição de pertences” subiu 104%, a “expulsão” disparou para 153%, “grilagem” para 113%, “pistolagem” aumentou 118% e “impedimento de acesso às áreas de uso coletivo” teve acréscimo de 1.057%.
Todos esses dados, registrados entre janeiro e agosto deste ano, já ultrapassam os índices de 2020. Entre as categorias que mais causaram “Violências Contra a Ocupação e a Posse” estão: Fazendeiro (23%), Empresário (18%), Governo Federal (14%) e Grileiro (13%). A categoria Garimpeiro passou de 3% em 2020 para 6% em 2021. O salto desta categoria também foi registrado em “Conflitos pela Água”, tendo passado de menos de 1%, em 2020, para 5% em 2021.
| Mariana Franco Ramos é repórter do De Olho nos Ruralistas. |
Foto principal (Divulgação/CPT): invasões de garimpeiros e fazendeiros resultaram em assassinatos, agressões e ameaças a camponeses