Em meio a avalanche ruralista, maioria dos partidos ignora temas agrários

Em meio a avalanche ruralista, maioria dos partidos ignora temas agrários

Apenas Rede e Solidariedade incluíram questões ambientais na lista de prioridades legislativas de 2022; mesmo em votação remota, governo e FPA correm para aprovar liberação de agrotóxicos, Marco Temporal, licenciamento e PL da Grilagem

Por Mariana Franco Ramos

Enquanto a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), braço institucional da bancada ruralista, prepara um “combo da morte” para 2022, com propostas que atacam diretamente os povos do campo e aceleram a destruição dos biomas, a maioria dos partidos da Câmara lista como prioridades temas econômicos e o embate político pré-eleições.

Joenia Wapichana defende consolidação dos direitos dos povos indígenas. (Foto: Vinícius Loures/Câmara dos Deputados)

No retorno após o recesso, apenas a líder da Rede, Joenia Wapichana (RR), e o vice-líder do Solidariedade, Zé Silva (Solidariedade-MG), falaram especificamente sobre o desmonte ambiental em curso. E os dois estão em lados opostos do debate.

“Vamos trabalhar para que os retrocessos dos anos anteriores sejam combatidos e assegurar que a população brasileira tenha prioridade nas suas demandas”, disse a parlamentar, à Agência Câmara. “Que sejam incluídos, na lei do orçamento, recursos para que os direitos indígenas possam ser exercidos, com demarcação e proteção das terras”, completou.

Silva fala em promover uma “pauta sustentável”. Ele é o autor, contudo, do PL 2.633/2020, conhecido como PL da Grilagem, que tramita conjuntamente ao PL 510/21. O texto enfraquece os controles sobre a ocupação de terras públicas, abrindo caminho para anistiar grileiros e criminosos ambientais. O deputado também defende uma nova legislação para a mineração. Nas últimas eleições, o político recebeu R$ 40 mil de José Roberto Segura, proprietário de uma empresa do setor, a Cerâmica Vila Cruz, sediada em Taiobeiras (MG). O assunto foi tema de reportagem do Brasil de Fato.

OBSERVATÓRIO ELENCA OITO PROPOSTAS MAIS PREOCUPANTES

Observatório do Clima listou oito itens do “combo da morte” que devem ser priorizados pela FPA e pelo Palácio do Planalto neste ano. Entre eles está justamente o da mineração em terras indígenas (PL 191/2020), que possibilita a liberação dos territórios para a atividade, bem como a construção de hidrelétricas sem entraves.

Outras proposições no radar são o Pacote do Veneno (PL 6.299/02), que inclui a liberação de mais agrotóxicos, a tese do Marco Temporal (PL 490/07), que proíbe a ampliação de terras já demarcadas e permite a exploração por garimpeiros, o PL 5.544/2020, liberando a caça de animais silvestres, e o PL 4.546/2021, prejudicial à Política Nacional de Recursos Hídricos.

No Senado, além do pacote da grilagem, o PL do Licenciamento Ambiental (PL 2.159/21), mais conhecido como a “mãe de todas as boiadas”, é o que mais preocupa. Ele restringe, enfraquece ou, em alguns casos, até extingue parte importante dos instrumentos de avaliação, prevenção e controle de impactos socioambientais de obras e atividades econômicas no país.

Confira abaixo um resumo das propostas:

LÍDERES PRIORIZAM PAUTAS ECONÔMICAS EM 2022

Apesar de elencar outras prioridades, o vice-líder do PSL, General Peternelli (SP), chegou a citar a regularização fundiária como pauta importante. Os demais representantes partidários, entretanto, não citaram diretamente temas agrários.

Zé Silva é autor do PL da Grilagem. (Foto: Wesley Amaral/Câmara)

Os líderes do DEM, Efraim Filho (PB), e do Republicanos, Vinicius Carvalho (SP), disseram que a questão mais importante em 2022 será a agenda econômica. O vice-líder do PSD, Marco Bertaiolli (SP), falou sobre a derrubada do veto do presidente ao programa de renegociação de dívidas de micro e pequenas empresas.

Um dos vice-líderes do PT, Reginaldo Lopes (MG), mencionou a recomposição do salário mínimo e a derrubada dos vetos ao Auxílio Brasil como prioridades. A deputada Perpétua Almeida (PCdoB-AC), uma entre os vice-líderes da oposição, foi na mesma linha, ao defender um benefício na ordem de R$ 600. No Pros, a pauta principal é a reforma tributária, enquanto Novo e Cidadania dizem que priorizam o combate à corrupção. O esforço maior do PDT, segundo o vice-líder Paulo Ramos (RJ), será para impedir privatizações e reforma administrativa.

Emprego e renda também são os primeiros itens da lista elaborada pelo vice-líder da minoria, José Guimarães (PT-CE). No PSOL, Sâmia Bomfim (SP) contou que o foco será “a linha de frente da derrota de Bolsonaro”. Os líderes do PSDB e do PSB defenderam respostas rápidas do Parlamento e do governo à pandemia de Covid-19. O Podemos está mais preocupado com a votação sobre prisão em 2ª instância e o fim do foro privilegiado.

GOVERNO PLANEJA PASSAR O TRATOR NO PRIMEIRO SEMESTRE

Bolsonaro e seu líder na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR). (Foto: Facebook)

Com o avanço da variante ômicron do coronavírus no país, os trabalhos na Casa voltaram a acontecer de forma remota. A medida, contudo, não deve frear a tramitação das matérias. Pelo contrário. Em virtude das eleições de outubro, o Executivo tem pressa em votá-las.

“Vamos buscar aprovar aquilo que o presidente gostaria que fosse aprovado”, adiantou o líder da maioria, Ricardo Barros (PP-PR), em entrevista à TV Câmara. “Tem licenciamento ambiental, regularização fundiária e defensivos agrícolas, que são matérias do agronegócio, a grande locomotiva de desenvolvimento do Brasil”.

Em seu site, a Frente Parlamentar da Agropecuária também deu destaque ao pacote do veneno, chamado pelos membros da bancada de Lei do Alimento Mais Seguro, ao PL da Grilagem e à demarcação de terras indígenas. “O que o projeto de Lei 6299/02, de nossa relatoria, traz nada mais é do que o aperfeiçoamento e a modernização do que se tem hoje”, argumenta Luiz Nishimori (PL-PR). “Os pesticidas são remédios para as plantas e a salvaguarda nos plantios”, acrescenta.

O presidente da FPA, Sérgio Souza (Foto: Agência FPA)

O paranaense tem interesse direto na matéria. Ele foi presidente da Mariagro Agrícola Ltda, hoje em nome de sua mulher, Akemi Nishimori, e de sua mãe, Fumi Nishimori, já falecida. Outra empresa, a Nishimori Agrícola, está em nome de dois filhos. O Tribunal de Justiça do Paraná considerou, em 2015, que as empresas da família pertencem ao mesmo grupo.

O presidente da FPA, Sérgio Souza (MDB-PR), defendeu o Marco Temporal (PL 490/2007): “Nós queremos que quem pagou pela terra, com anuência do próprio governo, tenha o reconhecimento de seu direito de propriedade e, em caso de demarcação da área, possa ser ressarcido”. Aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, o texto já pode ser votado em plenário.

Membros da frente mencionaram ainda os dois PLs da Grilagem (PL 2.633/2020 e 510/2021), que estão em discussão no Senado. “A regularização traz solução para uma série de problemas, seja com a segurança jurídica para o produtor, seja com o avanço financeiro que só o setor agropecuário consegue dar ao país”, diz o senador Zequinha Marinho (PL-PA).

Mariana Franco Ramos é repórter do De Olho nos Ruralistas. |

Foto principal (Alan Santos/PR): Bolsonaro, Lira e Pacheco em frente do Congresso

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