A emergência climática e a persistência da onda negacionista

A emergência climática e a persistência da onda negacionista

Fortes chuvas em Petrópolis provocam seis mortes, diz ministro · Jornal  Midiamax

GIOVANNI MOCKUS , No Congresso em Foco – Quando a Netflix lançou o longa “Don’t look up” (“Não olhe para cima”, no título em português), sobre o iminente impacto de um cometa na Terra e, mesmo diante dos alertas da ciência, o negacionismo de parte da sociedade e dos governos ao redor do mundo, muitos fizeram o paralelo com a pandemia de covid-19. Essa é uma crítica extremamente válida e é desesperador perceber que diversos personagens do filme são baseados em pessoas reais, que vocalizam o criminoso negacionismo da pandemia. Entretanto, há uma outra crise que também se aplica no comparativo do filme: a das mudanças climáticas; e isto é tão desesperador quanto.

Dez vezes em que semelhanças entre o Brasil e “Não olhe para cima” não foram mera coincidência

É fato que o transtorno das mudanças climáticas está castigando o Brasil, praticamente de Norte a Sul. Todos estamos vendo e acompanhando, apreensivos, os desafios de vida ou morte que parte da população brasileira vem enfrentando. No Sudeste, parte do Nordeste e Centro Oeste, um volume de chuvas muito acima do normal para esta época do ano tem causado destruição e mortes. Hoje, 590 municípios, em 9 Estados, decretaram emergência em decorrência de enchentes, deslizamentos de terras e rompimento de barragens.

Apenas Minas Gerais, que atualmente enfrenta a pior situação entre esses estados, contabiliza, até agora, 374 municípios em estado de emergência e 36 barragens sendo monitoradas com risco de ceder – o que traz de volta o fantasma das recentes catástrofes de Brumadinho e Mariana. As chuvas em níveis muito acima da média, que antes tinham uma recorrência de 10 anos, estão 30% mais frequentes e 7% mais intensas em todo o mundo, segundo relatório mais recente do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC).

No Sul do país, a situação é inversa – porém não menos perversa – com tempo seco e ondas de calor recordes, que elevaram as temperaturas a 41 °C no Rio Grande do Sul, 5 °C acima da média para o verão na região, segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet). Tal previsão fez, inclusive, com que o órgão emitisse um alerta para 216 municípios do Estado.

As fortes alterações climáticas vistas no país podem ser explicadas, de acordo com o físico e pesquisador da Universidade Estadual do Ceará, Alexandre Costa, pela modificação do ciclo hidrológico em nossa atmosfera, com maior concentração de vapor por conta do aumento das temperaturas. Isso, segundo ele, leva a dois extremos relacionados ao clima: de um lado, favorece as secas, pois extrai mais água da superfície e, de outro, forma matéria-prima para tempestades severas.

As mudanças do ciclo hidrológico, é importante dizer, podem ocorrer como resultado de atividades predatórias ao meio ambiente, provocadas pela ação humana, como o desmatamento e a mineração sem controle. Em outras palavras, o que vimos em Minas Gerais e na Bahia não são “acidentes ambientais”. São consequências de décadas e mais décadas de exploração desenfreada e insustentável, que ignorou completamente os alertas da ciência e fortaleceu um modelo de desenvolvimento arcaico que vem destruindo o nosso planeta.

As mudanças climáticas são uma realidade e a mitigação de seus efeitos só acontecerá a partir da conscientização e ação imediata dos governos, da iniciativa privada e da sociedade em geral. Mudar este quadro tão avassalador, é urgente. No entanto, enquanto diversos países sofrem com catástrofes cada vez mais frequentes provocadas pelo calor e frio intensos ou pelas chuvas torrenciais, os poderes políticos e econômicos parecem fazer vistas grossas para este cenário.

No Brasil, a desastrosa [anti] política ambiental do governo Bolsonaro deliberadamente ignora as mudanças climáticas. A realidade que se vê por aqui é de flexibilização da fiscalização ambiental, a não imposição de limites às atividades econômicas de impacto socioambiental, e a redução sistemática de investimentos para coibir queimadas e reduzir o desmatamento. O desmonte ambiental patrocinado pelo governo Bolsonaro leva o país a fomentar, ao invés do crescimento da economia verde e da melhoria das condições de vida, o caos econômico e social, impondo, à população, insegurança financeira e riscos de morte por ignorar a emergência climática.

Além de tentar mitigar, ao máximo, os impactos das mudanças no clima e buscar alternativas ao nosso modelo insustentável de consumo e desenvolvimento, também é preciso nos prepararmos para situações extremas. É mais que urgente que busquemos nos adaptar a essa nova realidade, como, por exemplo, fazendo mudanças na nossa rede elétrica, para suportar altas temperaturas, e no sistema hídrico, para atender as regiões que sofrem com secas prolongadas ou inundações. Ao mesmo tempo, é premente mudar o padrão de produção agrícola, zerar o desmatamento e apostar em energias renováveis. Isso, segundo os especialistas, ajudaria a tornar a situação atual, e as perspectivas para a qualidade de vida no planeta, menos piores.

É elementar que o governo brasileiro só vai levar a sério as mudanças climáticas quando Bolsonaro deixar o Palácio do Planalto. Entretanto, até as eleições de 2022 – que exige a participação de todos os brasileiros para garantirmos a vitória de governos e parlamentares mais comprometidos com a sustentabilidade – precisamos continuar pressionando e exigindo uma ação imediata do poder público para enfrentar a emergência climática que hoje já atinge todo o Brasil.

Apesar do cometa já estar bem próximo da Terra e causando graves prejuízos para a humanidade, diferentemente do filme, ainda há tempo de nos salvarmos. Precisamos superar a onda negacionista e agir agora!

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