No século passado, a partir da década de 60, o Brasil iniciou um período de grandes mudanças em suas atividades agrícolas, com a implementação de novas técnicas agronômicas, o fortalecimento do setor industrial, a instalação de fábricas de implementos agrícolas, sementes modificadas e agrotóxicos. Tais alterações elevaram o país a um dos principais produtores de alimentos no planeta. Atualmente, o agronegócio, de acordo com o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), representa 26,1% do PIB brasileiro.
Este cenário, de tamanha magnitude, coloca a regulamentação e comercialização dos agrotóxicos sob uma constante e forte pressão. Assim, em 2002, foi proposto o Projeto de Lei (PL) nº 6.299, que altera os artigos 3º e 9º da Lei nº 7.802/89. Este PL foi aprovado no último dia 09 de fevereiro na Câmara dos Deputados e seguirá para o Senado Federal.
Com a atual legislação, que é mais rigorosa, foram liberados o registro de 493 produtos em 2020, 4% mais do que o de 2019. Estes registros vêm crescendo ano a ano no país desde 2016 e o número registrado, em 2020, é o maior verificado pelo Ministério da Agricultura desde 2000.
As alterações sugeridas pelo PL nº 6.299/02 promovem uma grande flexibilização nos processos de pesquisa, experimentação, classificação, registro, produção, comercialização e fiscalização de agrotóxicos. Propõe ainda a diminuição dos poderes dos órgãos da saúde e do meio ambiente, bem como a suavização da classificação de produtos que são nocivos, justamente, à saúde humana e ao meio ambiente. Com isso, propõe uma concentração exclusiva do poder decisório ao Ministério da Agricultura, que será o único órgão que poderá aplicar penalidades e auditar empresas e institutos de pesquisa.
A atual análise tripartide permite um exame muito mais amplo dos efeitos dos agrotóxicos à saúde e ao meio ambiente. Fragilizar essa análise favorece a sobreposição de interesses particulares ao interesse público.
De acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), mais de sete milhões de casos de doenças agudas e crônicas não fatais são registrados por ano em países em desenvolvimento. Ressalta-se que o Ministério da Saúde estima que, para cada caso notificado, existam outros 50 não notificados. O Instituto Nacional do Câncer (INCA), alerta que a exposição aos agrotóxicos pode causar uma série de doenças, dependendo do produto que foi utilizado, do tempo de exposição e quantidade de produto absorvido pelo organismo. Podemos facilitar o registro de produtos com esse grau de risco? Deixar a Anvisa agir apenas como um órgão consultivo é acreditar demais na boa fé humana.
Extrapolando em seu poder criativo, o PL propõe também a alterações de nomes.
ágros (campo) e toxicon (veneno). Além disso, “agrotóxico” é a nomenclatura utilizada em nossa Constituição de 1988. Teremos um mesmo produto com nomes diferentes conforme a lei?
Segundo, quando usados em florestas e em ambientes hídricos, os agrotóxicos passam a ser chamados pelo projeto de “produtos de controle ambiental”. Este termo é vago e tendencioso. Quem e o que está sendo “controlado” por esses produtos? Por que mais um nome se o propósito é o mesmo?
Muitas vezes, grandes e importantes discussões são feitas sobre consumo consciente e ações para estimular o uso de sacolas biodegradáveis. Porém, esquecemo-nos de avaliar se os produtos que estão dentro das sacolas, biodegradáveis ou não, estão contaminados por algum tipo de veneno.
É fundamental que a sociedade fique atenta ao que coloca em sua mesa e em seu corpo. Toda a população está suscetível a exposições múltiplas de agrotóxicos, por meio de consumo de alimentos e água contaminados. Podem ocorrer importantes alterações metabólicas, imunológicas ou hormonais.
Por tudo isso, devemos olhar com mais rigor as propostas de mudanças na lei de agrotóxicos e entender quem ganhará com isso.
Emiliano Lobo de Godoi, Doutor em Agronomia e Professor da Escola de Engenharia Civil e Ambiental da Universidade Federal de Goiás