Humanitas Unisinos – A paz não se dá, se constrói, é preciso muita coragem e sabedoria para alcançá-la. É urgente “desarmar a razão armada”, tornar possível o impossível, “transformar as armas em arados” (Isaías).
A opinião é de Adolfo Pérez Esquivel, ativista argentino e ganhador do Prêmio Nobel da Paz, em artigo publicado por Chiesa di tutti, Chiesa dei Poveri. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Segundo ele, “é um erro encurralar a Rússia com sanções comerciais, censurar sua cultura e seus esportistas, e suspender a Rússia da Comissão de Direitos Humanos da ONU, e guardar silêncio sobre as atrocidades e violações dos direitos humanos dos povos cometidas por aqueles que votaram a favor das sanções contra a Rússia. O Evangelho diz: ‘Aquele que não tiver culpa que atire a primeira pedra’”.
“É preciso que os governos tenham valores éticos e coragem para não se degradar e cair na hipocrisia – afirma o Prêmio Nobel. Os povos não podem ficar indiferentes e como espectadores da tragédia que a humanidade vive. É necessária a rebeldia para evitar que sejamos arrastados para outro holocausto. Como diz o antigo provérbio, ‘a noite mais escura é quando começa o amanhecer’”.
Eis o artigo.
A humanidade vive tempos de incerteza. Os avanços tecnológicos e científicos aceleraram o tempo que muda a realidade, onde o presente condiciona o futuro, e é preciso ter a consciência de que colhemos o que semeamos. A corrida armamentista infelizmente é uma realidade. Buscam segurança, cada dia mais insegura.
A tragédia de Caim e Abel volta a se desencadear através do tempo sem tempo. As sagradas escrituras nos mostram o caminho que Deus deu ao ser humano, a “liberdade”, e é este quem decide o caminho a seguir, entre luzes e sombras. A humanidade sofre 25 guerras em diversas partes do mundo, como a da Ucrânia e da Rússia, em uma escalada cada vez mais perigosa e sangrenta, com o perigo de que se desate uma guerra nuclear.
A Segunda Guerra Mundial marcou para sempre a vida planetária. As bombas atômicas lançadas sobre Hiroshima e Nagasaki foram determinantes para o mundo, que deixou de ser o que era. E, ainda com as feridas sangrando, outras guerras e conflitos se somaram, com total desprezo à vida humana.
Esqueceram o que foi vivido e sofrido? É como um espelho quebrado em mil pedaços. Esqueceram o Holocausto, os campos de concentração, os milhões de mortos? Esqueceram a Guerra do Vietnã, a guerra entre Israel e Palestina, como outras mais que se somaram à tragédia da humanidade? É urgente ouvir o clamor dos povos e chamar as novas gerações a fazerem memória.
É preciso optar entre a “bomba ou a Vida”. Para optar pela Vida, os povos devem se rebelar e não permitir que os submetam e dominem, devem se assumir como protagonistas de suas próprias vidas e construtores de sua história.
Apagou-se o farol da misericórdia e da dignidade, mergulharam a humanidade no obscurantismo, na incerteza e na dor, violando os direitos da pessoa e dos povos.
Os irresponsáveis têm rostos e levam em suas testas e almas o selo da besta 666, vão destroçando vidas, povos, negam-se a ver os rostos de homens, mulheres, crianças que questionam e interpelam e reivindicam um lugar digno para viver em paz. Estão cegos pela soberba do poder e do ódio, e buscam justificar o injustificável.
Quem são os responsáveis pela guerra entre Ucrânia e Rússia? Putin, Zelinsky? É preciso ver mais a fundo e expor o manejo sinistro do poder de dominação mundial dos Estados Unidos, da União Europeia e da Otan que, de forma direta e indireta, já estão envolvidos na guerra.
Os povos da Europa devem acordar e não ser um satélite dos Estados Unidos e da Otan que os arrastam para o desastre.
A Rússia deve parar a guerra, estabelecer uma trégua conjuntamente com a ONU, nomear uma comissão de mediação internacional para alcançar fronteiras seguras e não ser devorada. Essa decisão não pode ser unilateral, deve ser compartilhada pelas potências envolvidas na guerra e gerar espaços de diálogo e soluções justas para as partes.
A Ordem Mundial atual é a maior desordem mundial.
A Ucrânia é o peão no tabuleiro do poder das grandes potências, seu povo é vítima da guerra. Não lhes interessam os mortos, os refugiados, a destruição das cidades. É preciso alimentar a guerra com mais armas e dinheiro. A Besta não se sacia com o sangue derramado, exige cada vez mais.
Os Estados Unidos e a Otan em sua voracidade de dominar o mundo buscam impor a sua política, econômica e militar, e destruir seus oponentes. A realidade ensina que as grandes potências não têm amigos nem aliados, têm interesses, basta ver o seu modo de agir no mundo.
A Europa perdeu identidade e valores, e depositou o seu destino na Otan. Os povos devem saber que nenhum exército é garantia da paz.
Nesse confronto, as ameaças e perigos crescentes de uma guerra nuclear afetam todos os países, grandes e pequenos, ricos e pobres. As distâncias não importam e colocam o mundo no limite da existência planetária. Todas as potências envolvidas possuem armas nucleares e estão dispostas a utilizá-las sem medir as consequências.
É um grave erro considerar a Rússia como “um urso com rugido de rato” e a China como um “tigre de papel”.
O farol da ONU permanece apagado, é preciso ajudá-lo a despertar e voltar a acendê-lo para que ilumine a humanidade antes que seja tarde demais. Em outras notas, eu assinalei que “todos sabem como as guerras começam, ninguém sabe como terminam”. Não é possível que os governos gastem recursos para enviar armas para a Ucrânia para aumentar o conflito e não tenham coragem de apresentar alternativas para pôr fim à guerra, e que tudo dependa das decisões dos Estados Unidos.
A paz não se dá, se constrói, é preciso muita coragem e sabedoria para alcançá-la. É urgente “desarmar a razão armada”, tornar possível o impossível, “transformar as armas em arados” (Isaías).
Muitas vozes no mundo exigem o fim das guerras que afetam a humanidade e a urgência de somar esforços e recursos para combater a fome, a pobreza e a desigualdade social. Vozes que não são ouvidas por governos irresponsáveis e pelos meios hegemônicos de comunicação.
A solução é política. Os povos sofrem a violência dos governos que os arrastam para a guerra. É urgente a unidade na diversidade e ser protagonistas, levantar e assumir a proclamação da ONU em 1945: “Nós, os povos das nações unidas resolvidos a preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra que por duas vezes, no espaço da nossa vida, trouxe sofrimentos indizíveis à humanidade”…
É um erro encurralar a Rússia com sanções comerciais, censurar sua cultura e seus esportistas, e suspender a Rússia da Comissão de Direitos Humanos da ONU, e guardar silêncio sobre as atrocidades e violações dos direitos humanos dos povos cometidas por aqueles que votaram a favor das sanções contra a Rússia. O Evangelho diz: “Aquele que não tiver culpa que atire a primeira pedra”.
É preciso que os governos tenham valores éticos e coragem para não se degradar e cair na hipocrisia.
Os povos não podem ficar indiferentes e como espectadores da tragédia que a humanidade vive. É necessária a rebeldia para evitar que sejamos arrastados para outro holocausto.
Como diz o antigo provérbio, “a noite mais escura é quando começa o amanhecer”.