O 17 de maio marca a data em que a OMS retirou a homossexualidade da lista de doenças, em 1990; porém, apesar de avanços, violência contra LGBTQIA+ em todo o país ainda persiste, com mais de 5 assassinatos por semana
O Tempo, por Juliana Siqueira – Um dia não para comemorar, mas para reverenciar as lutas de uma comunidade que ainda sofre com a discriminação e com a violência. Para Azilton Viana, vice-presidente do Centro de Luta pela Livre Orientação Sexual de Minas Gerais, esse é o significado desse 17 de maio.
A data marca o Dia Internacional Contra a Homofobia, Transfobia e Bifobia e mostra que ainda há muito a ser feito: só no ano passado em todo o país, foram registrados pelo menos cinco assassinatos por semana de pessoas LGBTQIA+. Os dados divulgados pelo Observatório de Mortes e Violências contra LGBTI+ ainda revelam que o número aumentou 21,9% em comparação a 2020, saltando de 215 para 262.
“O dia 17 de maio representa uma luta. Essas datas não são ‘de comemorar’. Como vamos comemorar em meio a tanta violência e mortes? Nós não somos doentes e fazemos parte da sociedade, que deve ser plural, diversa”, diz Viana.
A luta para provar que pessoas LGBTQIA+ não são doentes, aliás, não é de hoje, conforme Viana. Foi em 17 de maio de 1990 que a Organização Mundial da Saúde (OMS) retirou a homossexualidade da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID). Porém, na prática, falta muitas vezes o reconhecimento social, segundo Viana. “Ainda há muitos que defendem a ‘cura gay’. Isso não existe”, diz ele.
Embora membros da comunidade LGBTQIA+ consigam falar por horas sobre a violência e o preconceito com que se deparam todos os dias, faltam dados que traduzam esse cenário. Em Minas Gerais, por exemplo, não há números computados. A Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) destaca que há o Registro de Eventos de Defesa Social (Reds) que, em seus campos, traz a “causa presumida” para os crimes, com opções de marcação que incluem homofobia, lesbofobia, bifobia e transfobia. No entanto, os dados não foram consolidados.
Por indisponibilidade sistêmica tais dados ainda não foram incluídos no armazém de dados, ferramenta utilizada para a consolidação e a captação de todos os registros”, diz a Sejusp. “As manutenções para a inclusão das variáveis estão em análise e tão logo elas estejam ativas poderão ser disponibilizadas”, justifica a pasta.
“Apesar de não existir a divulgação dos números exatos no Estado, o arte-educador Danilo Filho, de 38 anos, ressalta que os traumas em meio à comunidade LGBTQIA+ são reais e marcam a vida das pessoas, muitas vezes, desde os seus primeiros anos. “Um dos nossos principais desafios é lidar com os traumas, desde que nos entendemos como seres diversos do que a sociedade acredita que devemos ser. Esses traumas ficam grudados na nossa existência”, diz ele.
“Não é sobre enfrentamento”
Outro desafio da comunidade LGBTQIA+, para Danilo Filho, é o de lidar com os olhares repressivos da sociedade, “sendo que não há razão de repreensão”, afirma ele. O arte-educador defende que eles só querem amar, sem sofrer retaliações, sem precisar se esconder. Isso, diz, não tem nada a ver com a ideia de “enfrentamento”, mas com a pura e simples existência.
“As pessoas são ouvidas e nessa escuta há a compreensão da especificidade de cada caso. Além de tratarmos as demandas, nós as articulamos e encaminhamos para a nossa rede, que envolve agentes da segurança, saúde, educação”, diz ele.
Os atendimentos no espaço só aumentam – saltaram de 165 em 2017 para 1.561 em 2019. Entre as principais demandas levadas pelas pessoas estão a dificuldade de se inserir no mercado de trabalho, segundo Dias. “Existe o preconceito aliado à questão da própria economia do país, o que gera, para eles, um contexto de maior dificuldade de acesso e permanência nos espaços de trabalho”, afirma.
Além disso, acrescenta Dias, 25% da população atendida no local mora nas ruas de Belo Horizonte. Muitas vezes, afirma ele, são pessoas desabrigadas justamente por conta de todo o ciclo de violência que envolve a vida da comunidade LGBTQIA+ até que deixem suas próprias casas. “Há um público grande vítima de violência e de violação de direitos”, destaca ele.