No Portal Terra – Políticos mudam autodeclaração para pardos e levantam a discussão sobre oportunismo eleitoral; sociedade civil pode pedir impugnação das candidaturas
Partidos políticos, federações, Ministério Público, entre outras entidades, podem pedir a impugnação da candidatura de políticos brancos que tenham sinalizado a autodeclaração de pretos ou pardos para burlar o sistema de cotas de recursos para candidaturas negras para as eleições de 2022. A afirmação é do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
O TSE não tem uma comissão de heteroidentificação, como tem algumas universidades públicas no Brasil, para checar possíveis fraudadores da política afirmativa. Para o órgão, o princípio válido é o da autodeclaração.
Najara Costa, pesquisadora e autora do livro “Quem é Negra/o no Brasil?”, ressalta a importância da autodeclaração e destaca a necessidade de garantia da política pública no país.
“As pessoas se autodeclaram e isso deve ser considerado. Para fins de uma política pública ou afirmativa, é importante que se tenha uma heterodeclaração, para que se tenha monitoramento e avaliação da política pública. Se a gente tem pessoas brancas e que não fazem jus à política afirmativa, não há sentido e nem mudanças”.
O Estadão noticiou que os deputados federais Professor Israel (PSB-DF), Heitor Freire (União-CE) e Luís Miranda (Republicanos-DF) alteraram a autodeclaração de cor de branco, em 2018, para pardo, em 2022. Questionados sobre as mudanças, Professor Israel e Heitor Freire não responderam a reportagem.
A assessoria de Luís Miranda enviou um vídeo do deputado, em que ele diz não ser branco, e reafirma a autodeclaração de pardo e denúncia ser vítima de racismo. Ao fim, termina a mensagem com o recado: “Racistas, me deixem em paz!”. No texto, ele explica que “se não sou branco, eu sei que negro também não sou, então só posso ser pardo!”.
O TSE sinaliza que haverá uma prestação de contas dos partidos políticos depois das eleições, para checar se houve uma destinação proporcional de recursos para candidaturas pretas e pardas. Para o tribunal, pretos e pardos compõem o grupo racial negro.
O voto em candidaturas pretas e pardas contará duas vezes para os cálculos da Justiça Eleitoral no Brasil para a distribuição do Fundo Eleitoral e do Fundo Partidário.
Najara Costa acredita que o debate sobre raça e identidade negra estão na agenda nacional, inclusive em setores de direita, e que é necessário tomar cuidado na movimentação feita por candidatos antes brancos, hoje autodeclarados pardos.
˜Para muitos candidatos, há uma necessidade de se dizer não branco para não legitimar esse lugar de privilegio, e ai eles se remetem a esses ancestrais e antepassados não brancos, mas são pessoas privilegiadas. Negro no Brasil são pessoas que são lidas como negras, que enfrentam o racismo na socieadde brasileira”.
As discussões acerca da destinação de verba para candidatos negras nas eleições de 2022 ocorrem mais no âmbito legislativo, onde há uma concorrência direta por recursos entre negros e brancos e uma disputa para a ocupação de cadeiras nos parlamentos estaduais e no Congresso Nacional.
Apesar disso, as eleições para cargos dos executivos estaduais têm chamado atenção. Figuras como ACM Neto, candidato ao governo da Bahia, e Ibaneis Rocha, candidato ao governo do Distrito Federal, se autodeclararam pardos. A partir das regras do IBGE e do TSE, os dois são considerados políticos negros.
O PSOL pediu uma Ação de Investigação Judicial Eleitoral (Aije) para cassar a chapa do candidato ao governo da Bahia, ACM Neto, e a vice, Ana Coelho, como mostrou reportagem da Alma Preta. De acordo com o documento, os candidatos apresentaram uma falsa autodeclaração e o pedido foi encaminhado para a Corregedoria Regional Eleitoral do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia (TRE-BA).
As assessorias de ACM Neto e do MDB do Distrito Federal, responsável pela campanha de Ibaneis Rocha, não responderam aos questionamentos da reportagem até a conclusão do texto.