Com a eleição de parlamentares mais conservadores, resultado do segundo turno será determinante para o futuro do clima e da Amazônia.
Revista Piauí, por Bernardo Esteves
Congresso ficou mais hostil ao meio ambiente com a eleição de nomes do governo Bolsonaro que atuaram para afrouxar proteções ambientais, encabeçados pelo ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles. Mas os defensores da Amazônia e dos outros biomas têm o que festejar com a vitória de Marina Silva e de representantes dos povos indígenas. A definição do presidente a ser eleito no segundo turno será determinante para definir de que lado os deputados e senadores vão se alinhar em relação às questões ambientais.
Os 640 mil votos dados a Ricardo Salles (PL-SP) sinalizam um apoio expressivo à política que paralisou as agências de fiscalização ambiental e fez explodir o desmatamento na Amazônia, que cresceu a cada ano do governo Bolsonaro e atingiu o maior patamar dos últimos quinze anos. É significativo que Salles tenha disputado um lugar na Câmara com a ex-ministra do Meio Ambiente de Lula, Marina Silva (Rede-SP), responsável por lançar o plano de combate que levou à redução de mais de 80% do desmatamento da Amazônia entre 2004 e 2012.
Silva recebeu 237 mil votos. O contraste entre a votação de ambos chamou a atenção de Raoni Rajão, pesquisador da Universidade Federal de Minas Gerais e do Wilson Center, em Washington. “Que o antiministro do Meio Ambiente tenha recebido três vezes mais votos que a ex-ministra que é internacionalmente reconhecida pelo trabalho que realizou de redução do desmatamento mostra que, para o grosso da população brasileira, os temas ambientais são secundários”, disse Rajão.
Mas é preciso colocar os números em perspectiva, defende Natalie Unterstell, especialista em políticas públicas ambientais e presidente do Instituto Talanoa. “Marina é uma mulher do Acre que não estava exposta semanalmente na mídia e não tem a penetração no estado de São Paulo que Salles tem”, disse Unterstell. “Sua eleição é muito significativa.”
Outro nome forte da política ambiental bolsonarista que chega ao Congresso é Jorge Seif Jr. (PL-SC), eleito para o Senado com quase 1,5 milhão de votos. Seif foi secretário de Aquicultura e Pesca e atuou para beneficiar seu pai e outros empresários do setor pesqueiro ao mudar normas legais para a pesca, conforme revelado pelo site The Intercept Brasil.
A defesa da ciência e da tecnologia no Congresso também saiu enfraquecida das eleições de 2 de outubro. Nomes que prometiam liderar uma bancada identificada com essa bandeira, como Ricardo Galvão (Rede-SP) e Tatiana Roque (PSB-RJ), não se elegeram. A eleição para o Senado do astronauta Marcos Pontes (PL-SP), ex-ministro da Ciência do governo Bolsonaro, foi lamentada por pesquisadores. “Ele foi um ministro que não defendeu a ciência, e no Senado não terá mais motivos para fazer o que não fez como ministro”, avaliou a ecóloga Mercedes Bustamante, da Universidade de Brasília.
Ainclinação antiambiental não é novidade dessa legislatura. O Congresso já contava com nomes como Joaquim Passarinho (PL-PA), deputado federal que defende os interesses dos garimpeiros e foi reeleito com 122 mil votos para o terceiro mandato. No entanto, um certo equilíbrio entre as duas casas do parlamento impediu que os projetos mais prejudiciais ao meio ambiente fossem adiante.
Durante o governo Bolsonaro, o Senado atuou como uma instância de contenção de pautas prejudiciais ao meio ambiente que haviam passado pela Câmara – especialmente depois que ela passou a ser presidida por Arthur Lira. “Várias propostas agressivas avançaram na Câmara e pararam no Senado”, disse Raoni Rajão. Com a mudança de perfil do Senado, em que a centro-direita perdeu espaço para a extrema direita, esse quadro pode mudar. “A preocupação é que o Senado perca essa função moderadora que tinha em relação à Câmara.”
Um exemplo de projeto que enfraquecia a proteção ambiental e acabou barrado pelo Senado é o da lei de regularização fundiária – na prática, um estímulo à grilagem. “Só por tramitar, esse projeto causou mais invasão de terras públicas e desmatamento”, afirmou a advogada e ambientalista Suely Araújo, do Observatório do Clima. Junto com outros projetos em tramitação atualmente, como o que flexibiliza o licenciamento ambiental ou outro que incentiva o uso de agrotóxicos, ele foi chamado pelos ambientalistas de “pacote da destruição”.
Dentre as ideias que tiram o sono de quem se preocupa com o meio ambiente, está ainda a possibilidade de que os novos deputados e senadores proponham leis que regulamentem o garimpo em terras indígenas, estimulem o desmatamento ou flexibilizam a obrigatoriedade de proteção de parte das florestas que ficam dentro de propriedades privadas. “Com essa nova formação do Congresso Nacional, não tenho dúvidas do avanço do bolsa grilagem travestido de regularização fundiária e de uma forte desmontagem do Código Florestal”, afirmou o agroambientalista Marcello Brito, ex-presidente da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag).
Por outro lado, o combate ao desmatamento ganhou aliadas fortes na Câmara com a eleição de Sonia Guajajara (Psol-SP) e Célia Xakriabá (Psol-MG), representantes dos povos indígenas que fizeram campanha pela formação de uma “bancada do cocar” em Brasília. Antes delas, só outros dois representantes dos povos originários tinham sido eleitos deputados: Mário Juruna (PDT-RJ) em 1982 e Joenia Wapichana (Rede-RR), que foi eleita em 2018 e não conseguiu se reeleger este ano.
O fato de Guajajara e Xakriabá terem sido eleitas por estados do Sudeste é um sinal de que a pauta da defesa da floresta se nacionalizou. “Nessas eleições a Realpolitik teve que abraçar a Amazônia, o que é inédito e muito interessante”, disse Unterstell. A pauta ambiental também deve ser beneficiada pelo aumento da diversidade no Congresso simbolizada por nomes como Carol Dartora (PT-PR), a primeira deputada negra eleita pelo Paraná, ou Duda Salabert (PDT-MG), que integra a primeira leva de deputadas trans eleitas para a Câmara. “Figuras como elas vão nos ajudar a construir propostas mais próximas da justiça climática, que incluam pessoas mais vulneráveis”, disse Unterstell.
Esses nomes devem estar na linha de frente do enfrentamento da pauta antiambiental no Legislativo. Natalie Unterstell avalia que figuras como Ricardo Salles terão seus movimentos monitorados de perto. “A vida dele não vai ser fácil no Congresso, especialmente se houver mudança no Executivo”, afirmou. “Antes Salles tinha a caneta na mão, agora ele vai ter que negociar e compor.”
Mas ainda é cedo para entender como o novo Congresso vai atuar em relação às pautas ambientais. Na avaliação de Suely Araújo, isso vai depender dos resultados do segundo turno do pleito presidencial. “O Centrão gosta de estar perto de quem gosta de poder, e isso vai determinar o posicionamento em relação à questão ambiental.” Para Araújo, a eleição de Lula é a única possibilidade de bloquear o avanço do pacote da destruição que tramita no Congresso. “Mesmo assim não vai ser fácil”, afirmou. “Já a reeleição de Bolsonaro significaria uma tragédia para o clima e o meio ambiente.”
Natalie Unterstell tem uma leitura parecida do que estará em jogo em 30 de outubro. “Se houver uma mudança de governo, veremos a volta do aparato estatal de combate aos crimes ambientais, e isso vai ter um efeito importantíssimo”, avalia. “Já se Jair Bolsonaro vencer, o campo de forças ficará muito desequilibrado para a agenda ambiental.” Nesse caso, continuou Unterstell, o presidente terá aliados que lhe permitirão mexer nas proteções constitucionais aos povos indígenas e ao meio ambiente. “O segundo turno vai ser definidor do nosso destino ecológico e democrático.”
Unterstell foi a convidada permanente da segunda temporada de A Terra é redonda (mesmo), o podcast de ciência e meio ambiente da revista piauí. Em oito episódios veiculados às vésperas da eleição, o podcast analisou os principais desafios ambientais do Brasil em meio à crise climática e as propostas dos principais candidatos para combatê-los.