Mudanças sociais e globais levam terceiro mandato a ver na política do clima uma oportunidade para novas alianças e reformas programáticas.
Mathias Alencastro, na FSP
A ascensão da COP do Egito a primeiro palco da nova diplomacia do governo eleito se deve a duas dinâmicas interdependentes. A eleição de Lula encerra um ano terrível, porém transformador, para a política climática.
Por um lado, a Guerra da Ucrânia deu ímpeto às indústrias fósseis, que atravessavam um raro período de declínio, enquanto as divisões crescentes entre o Ocidente e o Oriente, mas também entre o Norte e o Sul Global, agravaram a crise da governança climática.
Por outro, a transição energética se tornou uma questão de segurança nacional para os países desenvolvidos, com implicações extraordinárias para a diplomacia e os investimentos internacionais.
Em seguida, a sociedade civil brasileira se fortaleceu através da emergência de uma geração de cientistas, ativistas e políticos de excelência e da multiplicação de organizações que estabeleceram a relação entre democracia, clima e justiça social. Essas mudanças tornaram inevitável a metamorfose do terceiro mandato de Lula em primeiro governo climático do Brasil.
Na América Latina, a onda rosa tem sido quase sempre acompanhada por uma onda verde. A plataforma climática do chilenoGabriel Boric era uma exigência do movimento de contestação popular, enquanto a do colombiano Gustavo Petro veio junto com a renovação da esquerda depois do acordo de paz.
O caso brasileiro, todavia, é excepcional, porque a política climática transformou de fora para dentro o Partido dos Trabalhadores, que tem na luta sindical e nacionalista das energias fósseis uma das suas principais referências históricas. O PT segue o caminho de outros partidos de centro-esquerda que viram na política climática uma oportunidade para novas alianças e reformas programáticas.
Em agosto deste ano, o governo de Joe Bidenfoi salvo pelos ativistas climáticos que obrigaram o Senado a aprovar um novo pacote econômico. O governo de coalizão do social-democrata Olaf Scholz depende mais do que nunca do seu vice Robert Habeck, o líder dos Verdes.
Se a COP27 virar um mutirão de lideranças brasileiras, ela será o palco de Lula e de toda a frente ampla que derrotou a extrema direita.
Além dos símbolos e dos discursos, o governo Lula será avaliado pela sua capacidade de superar o enfrentamento com os movimentos populistas que acomete tantas outras democracias.
A política climática do governo de Emmanuel Macron jamais se reergueu do choque provocado pelos coletes amarelos, um protesto desencadeado por causa de uma taxa de carbono.
Na Europa e nos Estados Unidos, os oportunistas que encabeçaram os movimentos antivacinas se converteram em expoentes dos protestos contra a alta dos preços de energia. O próprio movimento de caminhoneiros golpistas a favor de Jair Bolsonaro também é uma manifestação da hiperdependência do Brasil do sistema rodoviário e da indústria de carbono.
A partir de agora, toda a política é política climática.
O projeto Planeta em Transe é apoiado pela Open Society Foundations.