O Cafezinho, por Por Pedro Breier – Entra governo, sai governo e o samba de uma nota só de incontáveis comentaristas políticos, amadores e profissionais, segue tocando: “cuidado com o rombo fiscal!”. Para sermos justos, há uma variação importante no samba, já que a grita sobre os gastos públicos costuma ser maior quando o governo da vez está à esquerda no espectro político.
O momento, contudo, é propício para ouvirmos uma música mais sofisticada.
O monocórdio receituário neoliberal – corte de gastos e privatizações – é um rotundo fracasso. Paulo Guedes, o mago do liberalismo tropical, vai entregar um país em que mais de 60 milhões de pessoas sofrem com insegurança alimentar.
De 2014 a 2016, 18,3% da população brasileira estava nessa situação; de 2019 a 2021 esse percentual avançou para 28,9%. A insegurança alimentar grave, que é quando as pessoas provavelmente ficaram sem comida, passaram fome ou ficaram dias sem comer, atingia 3,9 milhões de brasileiros de 2014 a 2016 (1,9%) e passou a atingir 15,4 milhões de 2019 a 2021 (7,3%). São dados da FAO, setor das Nações Unidas responsável pela alimentação e agricultura no mundo.
Se você duvida, como os negacionistas Jair Bolsonaro e Paulo Guedes dizem duvidar, basta andar pela área central de uma grande cidade brasileira para perceber a multiplicação espantosa de moradores de rua nos últimos anos.
Salário mínimo congelado, ausência de investimentos públicos que gerem empregos e dinamizem a economia, destruição dos direitos trabalhistas e consequente migração de milhões de pessoas para a informalidade foram algumas das “obras” de Temer, depois Guedes e Bolsonaro. Resultado: a renda média do brasileiro caiu, em 2021, ao menor valor da série histórica, iniciada em 2012, conforme o IBGE.
Para completar temos a inflação galopante, em especial nos alimentos, o que atinge em cheio exatamente o bolso das pessoas que viram sua renda ser corroída pelas políticas do governo federal.
Diante desse estado de coisas é escandoloso que se grite “rombo fiscal!” quando Lula e sua equipe dão sinais de que vão retomar as políticas que tiraram o brasil do mapa da fome e fizeram o país crescer incluindo o pobre na economia, como costuma repetir o presidente eleito.
A sacralidade do superávit em um país estagnado e com milhões de famintos é, além de desumana, burra.
Muitos economistas têm defendido a tese de que a emissão de moeda não necessariamente gera inflação. Emitir moeda para investir pode ter, na verdade, um efeito positivo: como a inflação brasileira evidentemente não vem da alta demanda, já que a economia está deprimida, é de se esperar que uma injeção de investimentos públicos – retomando obras paradas, por exemplo – aqueça a economia ao gerar empregos e, combinada com o aumento real do salário mínimo, dê mais poder de compra à população.
Com mais pessoas empregadas temos mais consumidores, o que gera mais vendas para as pequenas e grandes empresas, o que aquece também a produção das fábricas. Eis o ciclo virtuoso que pode ser impulsionado por investimentos públicos.
Investimento é a palavra, e não gasto. Lula falou durante a campanha que não considera que gasto com educação é gasto, mas sim investimento. E não é verdade? Qualquer país do mundo que pretenda crescer e avançar nos seus indicadores sociais e econômicos precisa investir pesadamente em educação, ciência, tecnologia, infraestrutura, etc. Parece uma obviedade, mas décadas de propaganda massiva neoliberal turvaram nossa vista e às vezes nos impedem de enxergar o óbvio.
Mas o momento é propício para que se dê à economia brasileira um outro rumo. É cada vez mais evidente que os países desenvolvidos empurram o neoliberalismo para a periferia do mundo enquanto investem com força nos setores estratégicos das suas economias. A velha mídia e os suspeitos de sempre vão seguir no seu samba de uma nota só, mas é inegável que a economia precisa desesperadamente de uma injeção de ânimo – ou seja, de investimento público pesado.
Os sinais que Lula deu durante a campanha e os movimentos de sua equipe de transição são animadores. Enquanto houver um mísero cidadão com fome, que “rombo fiscal” passe bem longe do nosso vocabulário.