Medo e loucura

Medo e loucura

Por Lou-Ann Kleppa – O professor não usa o corpo para intimidar as pessoas: ele usa a história, seu tempo de casa, o fato de ter sido professor desses jovens professores. O bastão que ele herdou dos seus mestres é o que ele escolhe passar adiante para os seus alunos. Não importa que a ciência tenha evoluído ao longo dos anos, que as práticas tenham mudado: a cartilha que ele aprendeu é a mesma que ele passa adiante. Em sala de aula, o professor que já tem idade pra se aposentar fala de homossexualismo – com esse sufixo (-ismo) que indica patologia. 

Um dos alunos (desse professor) que aprendeu a usar o corpo para se impor, desmaiou depois de uma aula virulenta. O aluno se pergunta como é possível haver conivência com esse discurso. Por que professores e alunos têm medo desse professor autoritário? O aluno busca respostas no andar de cima, vai para a Reitoria e colide com o corpo do segurança que quer barrá-lo. 

O aluno é pintado como agressivo, descontrolado, com transtornos psiquiátricos. Na nota que a Reitoria publica sobre o incidente na página da instituição, o surto é situado numa linha temporal que inicia em 2018. Esses cinco anos de atenção psicossocial que ele vem recebendo pretendem explicar por que o rapaz quebrou portas trancadas: ele é louco e não é de ontem.

Dois dias depois, o aluno é abordado por policiais militares na universidade. O aluno – que está em situação de rua e anos atrás ocupou a universidade como forma de protestar contra a ausência de moradia universitária – recebeu a chave da sala do Centro Acadêmico na universidade. Ele mora na universidade federal que não oferece nem moradia nem restaurante universitário para os alunos. E a polícia militar, que não tem jurisdição na universidade federal, foi lá de noite, no dia Internacional da Mulher, prender o rapaz. 

Todos foram mobilizados: prefeitura do campus, reitoria, pró-reitores, professores de outros cursos, alunos. O campus, localizado a 10km da borda da cidade, ferveu. Estavam representados o medo da juventude transgressora, o medo de ter que avaliar a própria conduta em relação ao outro (espelho invertido), o medo da arbitrariedade, o medo de ser amarrado e drogado na ala psiquiátrica de novo. Quem não teve medo foi lá, negociar com os policiais, impedir que o aluno fosse levado. 

Eu fiquei esperando outra “Nota à Comunidade Universitária e à Sociedade” sobre a quase prisão do aluno, mas ela não saiu. A administração superior teria orgulho de mandar prender um aluno que, com a toalha no ombro, shampoo e sabonete na mão, estava a caminho do banho dentro do campus? O que eu recebi foi a nota de repúdio redigida pelo Centro Acadêmico:

“Nossa indignação com a atual gestão se baseia no fato de que quando um dos nossos precisa de apoio, de atenção psicossocial e ou de assistência estudantil, o que recebemos como resposta é a perpetuação de estigmas preconceituosos que existem em torno de pessoas que possuem transtornos mentais, nesse caso especialmente em relação a um aluno que vive essa realidade e que, ao invés de receber o acolhimento e o acompanhamento que deveria, é hostilizado.”

Esse aluno conta com uma rede de apoio (crescente) que o acolhe ao invés de lhe oferecer o tratamento manicomial. Acolhe porque entende que as forças são desiguais e que a universidade está mesmo muito mal das pernas em vários sentidos. Acolhe porque entende que o aluno tachado de louco enfrenta os nossos medos à sua maneira.

Autoria: Lou-Ann Kleppa, professora do Departamento de Letras Vernáculas da UNIR.

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