Por Michele Prado – Nesta segunda-feira, dia 27/03/2023, mais uma vez um atentado de extremismo violento em ambiente escolar, praticado por um adolescente de apenas 13 anos, chocou o país. O ataque vitimou fatalmente uma professora e deixou quatro pessoas feridas.
Este episódio de extremismo violento está, novamente, relacionado às subculturas extremistas que atuam como hubs de radicalização online para o extremismo violento e que atingem um público com faixa etária cada vez mais jovem (a partir dos 10 anos). O ataque é o cume de um processo de aceleração deste tipo de episódio que levou a 10 ataques a escolas nos últimos 13 meses. Nesta nota, enfatizamos a relação deste episódio com as comunidades online, destacamos o grande número de ataques desde março de 2022 e lembramos os protocolos estabelecidos por estudiosos para serem adotados por pais e responsáveis e pela imprensa.
O agressor habitava uma subcultura online letal que glorifica atentados terroristas, massacres, atiradores em massa, ideação suicida e violência extrema e que dissemina teses pseudocientíficas de psicologia e biologia evolutiva para justificar ordem sociais hierarquizadas por gênero/ etnia/ religião, conteúdos com revisionismo histórico, apologia ao nazismo, conteúdos de aceleracionismo militante de extrema direita, instruções para fabricação de armas e bombas caseiras e um profundo niilismo e misantropia. Ao menos seis agressores responsáveis por atentados de extremismo violento e/ ou tentativas no último ano aqui no Brasil, exibiram (através de análise de suas pegadas digitais) conexões diretas com a subcultura online extremista e letal True Crime Community e outras subculturas ligadas à “black pill” como a “incelsfera”.
O agressor da última segunda-feira anunciou previamente em sua rede social na plataforma Twitter a ideação do ataque, sendo encorajado por outros usuários que também participam desta subcultura. Além da violência extrema, nessa subcultura online há um extenso conteúdo com misoginia, racismo, antissemitismo e uma vasta constelação de queixas e supremacismos de vários espectros (racial/ gênero/ político e religioso). É possível notar também a fetichização de doenças mentais (“schizopostings”), o incentivo à automutilação e ao suicídio e a violência extrema contra animais. Importante ressaltar, porém, que apenas uma minoria dentre esses indivíduos radicalizados chegarão ao extremo de praticar de fato uma ação violenta.
No TikTok, as hashtags relacionadas à essa subcultura online extremista são abundantes e circulam livremente como mostra levantamento realizado no período de dezembro de 2022 a janeiro de 2023 pela equipe do Núcleo Jornalismo.1 O levantamento encontrou aproximadamente 344 milhões de visualizações relativas aos conteúdos de extremismo violento online produzidos por usuários dessa subcultura.
Compreender de que forma os ecossistemas digitais mais amplos como a “manosfera” e as suas ramificações (comunidades “red pill”) e as subculturas online extremistas tangenciais são portas de entrada para a radicalização dos jovens que realizam ataques é um dos nossos principais desafios.
Evolução histórica dos ataques
Quando olhamos para a progressão dos ataques a escolas, vemos um crescimento muito acelerado, com 10 dos 22 ataques que pudemos identificar desde 2002 acontecendo nos últimos 13 meses. Se incluíssemos na lista as tentativas frustradas, o número subiria assombrosamente.
Protocolos para a imprensa e para os pais
A seguir, lembramos os protocolos estabelecidos por especialistas sobre como imprensa e os pais devem se comportar nos episódios de ataques a escolas.
IMPRENSA
A amplificação de vídeos, fotos e manifestos, aumenta o status intragrupo do agressor e incide no potencial de imitadores a curto e longo prazo.
O papel da imprensa para mitigar danos durante o período que sucede o episódio de extremismo violento em ambiente escolar é fundamental. A abordagem na cobertura do evento pode auxiliar a minimizar o “efeito contágio”. A janela para potenciais imitadores é de aproximadamente 13 dias. Quanto mais as coberturas da mídia disseminam fotos do agressor, manifestos, conversas e imagens do atentado, maior será a amplificação do ato e consequentemente a ampliação do “status intragrupo”2 do agressor —o que faz crescer também o potencial de imitadores.
Manifestos, vídeos, fotos e marcadores estéticos (como o uso de suspensórios, camisetas com a expressão “Natural Selection”, máscaras “skull mask”, entre outros) são importantes e cultuados dentro dessas subculturas online extremistas e são utilizados com dupla finalidade: por um lado, para atingir tanto os pares intragrupo e aumentar a sensação de pertencimento, negociação (coletiva) de identidade e status e, de outro, para amplificar pela mídia a imagem autopercebida e provocar reação na sociedade. Vale destacar que os agressores estão imersos numa autopercepção distorcida de que são “heróis”, “mártires” e que estão se purificando (no sentido religioso) ao cometerem o atentado.
A divulgação das queixas do agressor deve ser evitada.
Nessas subculturas existe uma constelação de queixas, algumas realmente legítimas (bullying, violência doméstica, inadequação social) mas outras provenientes do acúmulo de teorias conspiratórias e conteúdos extremistas. Quando a mídia difunde essas queixas, outros indivíduos podem se identificar com elas e passar a acreditar que o extremismo violento foi uma resposta adequada.
Não se deve nomear o agressor.
Nas subculturas extremistas online, os jovens buscam notoriedade alcançando um número de vítimas maior do que o de algum outro agressor cultuado. Quanto maior o número de vítimas, maior o status intragrupo e quanto maior for a notoriedade de seu nome social e/ ou apelido, mais aumenta a percepção de recompensa, tanto para o agressor, quanto para outros indivíduos que estão sendo radicalizados nessas subculturas.
MÃES E PAIS, PROFESSORES E PROFISSIONAIS DE SAÚDE MENTAL
A linha de frente para o reconhecimento (e os mais aptos a responderem de forma efetiva) aos sinais de radicalização de jovens são as pessoas mais próximas, dentro e fora de casa. Pais e cuidadores, líderes de comunidades nas quais os jovens estão inseridos (seja no ambiente físico ou virtual), professores, amigos e conhecidos próximos (como colegas de escola) são as pessoas mais aptas a perceber os sinais.
Recomendamos atenção aos sinais para uma prevenção e intervenção (em negrito os marcadores mais preocupantes e que indicam intervenção urgente).
• Crenças em teorias conspiratórias que sugerem um declínio da população branca e/ ou de homens e que sugerem também como fator desse declínio, outros grupos como negros, mulheres, judeus, LGBTQIA+, imigrantes e grupos minoritários. Exemplos: Teoria Conspiratória supremacista da Grande substituição/ Genocídio Branco; Teoria Conspiratória Eurábia; Teoria conspiratória QAnon;
• Produção e/ou compartilhamento de conceitos associados ao racismo científico como realismo racial e “biodiversidade humana”;
• Consumo e disseminação de conteúdos com violência extrema/ atentados terroristas e tiroteios em massa (em subculturas online extremistas cono tcctwt e gore);
• Isolamento social;
• Fixação em temas relacionados a armamentos e blitzkrieg alemães da Segunda
Guerra;
• Discursos e disseminação de conteúdos nos quais existem teorias conspiratórias
de que um grupo oculto (geralmente judeus) estão controlando toda a sociedade;
• Crença de que a violência é a única solução para as suas demandas;
• Ameaças verbais ou escritas de realização de ações violentas extremas