Brasil de Fato – A situação de calamidade vivida no Rio Grande do Sul não é novidade para nenhum brasileiro. Também não é novidade que a maior parte da produção de arroz brasileira está na região Sul do país e parcela dela foi perdida nos dias que perduraram as enchentes naquele estado. Diante dos trágicos eventos, a Conab (Companhia Nacional de Abastecimento), órgão ligado ao governo federal, não perdeu tempo e, para diminuir os efeitos da falta de arroz na mesa do povo brasileiro, apontou a necessidade de importação deste bem alimentar.
A forma que se busca sanar a carência de arroz no Brasil é por meio de leilão público para a compra de 300 mil toneladas do grão importado e entrega em setembro de 2024 para distribuição realizada pela Conab. Das coisas mais importantes desta medida é que, em razão da atuação direta do governo federal, com o intuito de garantir a segurança alimentar ao povo brasileiro, os compradores deverão vender o arroz exclusivamente para o consumidor final e o preço máximo não poderá ultrapassar 4 reais o quilo.
Acontece que a medida de garantir alimento barato e de qualidade ao povo, não foi bem aceita pelos setores patronais do agronegócio, motivando a CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil) a ingressar com uma ação no STF (Supremo Tribunal Federal) para suspender o leilão para aquisição do arroz. De acordo com a justificativa da entidade, ela atribui uma possível “instabilidade de preços, prejudicando produtores locais de arroz, desconsiderando os grãos já colhidos e armazenados, e, ainda, comprometendo as economias de produtores rurais”. Nas redes há aqueles que, ainda, alegam por se tratar de alimento subsidiado pelo Estado, não deveria ter o rótulo indicativo do governo federal, talvez sob o malabarismo argumentativo do manto do princípio da impessoalidade.
Pois bem, nos cabe fazer aqui três questionamentos. O primeiro articulado em outro:
1) Qual o sentido da compra de arroz realizada pelo governo federal, senão o de equilibrar os preços e impedir a sua flutuação abusiva? Isso não ajudaria a frear o apetite lucrativo do capital diante da falta de alimento e da fragilidade alimentar do povo?
Se o livre mercado não garantir o equilíbrio de preços para o povo se alimentar, geraria uma possibilidade de nova intervenção da Conab, mas antes deve ser dado esse primeiro passo. Passo esse, que só está sendo dado, porque no Brasil não há estoque público regulador. A partir de 2016, houve um desmonte completo da política de estoques, sob o frágil, e agora, enganoso argumento de que quem regula preço é o mercado, e não o governo.
Seria uma barbaridade inacreditável, se não fosse conhecida as práticas da CNA, terem a intenção de garantir lucros exorbitantes sob a carcaça e o trabalho do povo gaúcho e brasileiro.
2) Qualquer produto/alimento subsidiado pelo governo (federal, estadual ou municipal), sobretudo aqueles em há uma atuação na distribuição, não seria um dever do Estado informar, além de um direito do cidadão saber dessa informação?
O princípio da transparência na Administração Pública busca regular a relação jurídica que se compõe do direito à informação dos cidadãos e cidadãs, assim como do dever de prestar informações por parte do Poder Público. A forma que governo realiza isso é pela logo institucional.
Sem uma identificação clara do governo e do preço tabelado, o comerciante funcionaria como intermediário e o subsídio, garantidor de arroz barato, poderia não funcionar. Isto porque o arroz comprado barato, na falta, seria vendido caro. Isso não é uma novidade no Brasil, basta ver a política de preços da Petrobrás, em que há interferência clara nos combustíveis que chegam ao consumidor de variadas formas.
Na política de livre concorrência e neste sistema de livre mercado, o governo, além de ser livre pra atuar, nos casos de tragédia e evidente desabastecimento, tem o dever de funcionar como agente econômico. Até porque é o dinheiro do cidadão contribuinte que está em jogo. O que nos provoca a uma última pergunta:
3) Tendo em vista que o contribuinte paga por essa política pública de segurança alimentar, não deveria ter também o direito de fiscalizá-la?
Diante deste desafio, resta cobrar do governo, a criação de canais para que o cidadão-consumidor possa denunciar a cobrança indevida de arroz nos mercados. Seja em articulação com o Ministério Público ou diretamente, quem sabe via um canal de WhatsApp institucional, aberto 24 horas para receber e averiguar demandas. O povo poderá sim, agir em uma lógica de cidadania ativa e se mobilizar para garantir que o arroz chegue barato na mesa de cada brasileiro e brasileira.
Mesmo que haja resistência dos setores do agronegócio, alegando empecilhos à ordenação do mercado e ao progresso no meio rural, seguindo o cancioneiro popular: “A ordem é ninguém passar fome, progresso é o povo feliz”.
*Gladstone Leonel Júnior é professor adjunto da Faculdade de Direito e do Programa de Pós-Graduação em Direito Constitucional da Universidade Federal Fluminense (UFF). Doutor e com pós-doutorado em Direito pela Universidade de Brasília (UnB). Realizou o estágio doutoral na Facultat de Dret, Universitat de Valencia, Espanha. Membro da Secretaria Nacional do IPDMS – Instituto de Pesquisa, Direitos e Movimentos Sociais.
**Artigo elaborado em conjunto com Rodrigo Lentz, Jonas Valente e Antonio Rota Neto.