Levantamento do Cimi revela que ações do Estado pouco avançaram para regularizar terras e conter a violência
O relatório Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil, divulgado nesta segunda-feira (22), contabiliza mais de 1,2 mil casos de violações patrimoniais cometidos em território nacional contra essa população no ano passado. Em todo o país foram registradas 404 ocorrências de ataques contra pessoas indígenas em 2023. Nessa lista estão tentativas de assassinato, estupros, atentados e agressões.
Elaborado pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), o documento mostra que o poder público avançou pouco na demarcação de terras e aponta inércia no combate às violências. A morosidade se reflete no acúmulo de casos.
“Oito Terras Indígenas foram homologadas no primeiro ano do novo governo, um número aquém das expectativas, mesmo sendo maior que o dos últimos anos. Os parcos avanços nas demarcações refletiram-se na intensificação de conflitos, com diversos casos de intimidações, ameaças e ataques violentos contra indígenas, especialmente em estados como Bahia, Mato Grosso do Sul e Paraná”, diz o relatório.
Entre as violências contra o patrimônio, o relatório destaca 850 casos de omissão e lentidão na regularização de Terras Indígenas (TIs). Além disso, foram registrados 150 conflitos relativos a direitos territoriais e mais de 270 ocorrências de invasões possessórias, exploração ilegal de recursos naturais e danos diversos ao patrimônio.
O documento alerta que essas categorias de violência se mantiveram em patamares elevados, mesmo com uma ligeira queda em relação aos anos anteriores. Segundo o Cimi, a resposta ao problema precisa ser mais efetiva.
“Se por um lado os dados refletem a retomada das operações de fiscalização ambiental, por outro, a maior parte dos relatos indica a continuidade das ações de invasores, a desestruturação dos órgãos responsáveis por estas tarefas e a falta de uma política permanente de proteção aos territórios indígenas.”
Violações contra pessoas
Ainda conforme o levantamento, os casos de violações contra pessoas também reforçam a realidade observada em anos anteriores. Foram registrados mais de 200 assassinatos e 35 tentativas de homicídio, segundo dados do Sistema de Informação da Atenção à Saúde Indígena (SIASI) e do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM).
As equipes missionárias do Cimi levantaram informações detalhadas sobre mais de 80 dessas ocorrências. Todos os dados estão disponíveis no relatório e auxiliam no conhecimento dos detalhes desses crimes e do contexto que permeia a vida indígena no Brasil.
“O ano foi marcado por uma série de conflitos territoriais e assassinatos envolvendo brigas ou desavenças, muitas vezes potencializadas por bebida alcoólica. Do total, 68 das vítimas foram homens e 17 mulheres. 31% das mortes registradas pelo Cimi foram ocasionadas por arma de fogo, 29% por arma branca perfurante e 12% por espancamento”, detalha o documento.
São casos como o de Agnaldo, do povo Turiwara, do nordeste do Pará. Ele foi morto a tiros enquanto buscava alimentos, dentro das terras que a empresa Agropalma disputa com indígenas.
O levantamento do Cimi traz diversos outros exemplos de violência extrema, como o ataque a tiros em um ritual fúnebre na Terra Indígena Yanomami. Duas pessoas morreram no atentado de autoria de garimpeiros. Além dos assassinatos, também houve registros de ameaças, lesões corporais, racismo e discriminação étnico-cultural e violência sexual.
Avanços tímidos
Mais de 60% dos 1,3 mil processos territoriais indígenas no Brasil têm pendências administrativas que os distanciam da regularização. Em 563 deles, nenhum avanço foi feito pelo Estado. Embora 2023 tenha trazido de volta os Grupos Técnicos (GTs) para tratar do tema, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) só finalizou três relatórios de identificação e delimitação naquele ano.
O cenário é reforçado pelas tentativas de aprovação do chamado marco temporal no Congresso. A proposta estabelece que somente territórios ocupados por populações originárias quando a Constituição foi promulgada podem ser considerados TIs.
“A indefinição sobre o marco temporal torna impossível uma previsão acerca do cumprimento dos prazos estabelecidos nas portarias, na medida em que o governo hesita e utiliza a Lei 14.701/2023 como justificativa para não avançar nos procedimentos demarcatórios. Tal postura reflete-se, também, no fato de que nenhuma portaria declaratória foi publicada pelo Ministério da Justiça”, alerta o Cimi.
Violência por omissão
A atuação insuficiente do poder público também causa violações contra os povos originários. O relatório traz dados sobre ocorrências de desassistência em setores como saúde e educação, falta de combate à disseminação de bebida alcoólica e carência de estrutura.
O cenário se reflete em comunidades que não têm acesso a tratamento de água e esgoto, enfrentam a devastação ambiental que limita os modos de vida, incluindo o acesso a alimentos, e não são atendidas por políticas de saúde.
Segundo o relatório, 1.040 mortes de crianças indígenas de até 4 anos foram registradas em 2023. A maioria dos casos teve causas evitáveis. Centenas de óbitos por doenças preveníveis e tratáveis, como diarreia, gripe e desnutrição, também poderiam ter sido evitados.
Edição: Martina Medina