RFI – Nesta sexta-feira (9), é comemorado o Dia Internacional dos Povos Indígenas. Eles somam pelo menos 476 milhões no mundo, distribuídos por 90 países, e representam, no mínimo, 15% dos indivíduos mais marginalizados da Terra. São especialmente vulneráveis ao aquecimento global, à exploração abusiva dos recursos, às discriminações e às violências. Além disso, estão amplamente excluídos das políticas ambientais, mesmo sendo os responsáveis pela proteção de 80% da biodiversidade mundial.
Segundo uma definição herdada do relatório realizado pelo sociólogo equatoriano José Martinez Cobo para as Nações Unidas nos anos 1980, “as populações indígenas são povos e nações que viviam em um território antes da chegada dos colonizadores, que possuem suas próprias instituições, línguas, sistemas jurídicos, e que estão determinados a transmiti-los às gerações futuras”, explicou a antropóloga francesa Irène Bellier, em entrevista a Géraud Bosman-Delzons, da RFI.
“São entre 5.800 e 6.000 povos diferentes, representando 85% da diversidade cultural do planeta. Isso corresponde a cerca de 476 milhões de pessoas em 90 países, nos cinco continentes. Somente na Colômbia, há 107 povos; no Brasil, cerca de 300; no Peru, cerca de 50″, explica Bellier.
Em 2007, após 25 anos de difíceis negociações, a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas foi adotada, marcando o reconhecimento internacional. No entanto, as ameaças que sofrem ainda são graves.
A antropóloga cita três indústrias que representam uma grande ameaça para os indígenas: “o agronegócio (com culturas predatórias como a soja, óleo de palma e a pecuária, em particular); as minas (gás, petróleo, ouro, cobre e a busca por minérios raros) são um flagelo para os indígenas; e o desmatamento, que destrói o direito de um povo viver de uma floresta, que deve ser pensada não como um reservatório de madeira, mas como um espaço vital”.
Globalização das ameaças
“Os povos vivem em simbiose com esse ecossistema”, explica. “A globalização industrial leva à globalização das ameaças. Isso torna muito difícil atribuir responsabilidades quando há violação dos direitos.”
As situações desses povos são muito diversas em função das condições ecossistêmicas onde vivem, além de demográficas, culturais e jurídicas. “A forma como os indígenas foram conquistados, maltratados e marginalizados varia conforme a história dos Estados. As realidades diferem dependendo de estarmos no Canadá ou na Patagônia; assim como entre a África Ocidental e Oriental, a África do Norte ou Austral”, diz a antropóloga.
Desde a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas (DNUDPA), fala-se em “povos” porque o termo confere uma personalidade jurídica, enquanto “população” designa uma “coleção de indivíduos”, explica Bellier. “Isso permite a defesa e eleva o nível de reconhecimento que esses coletivos precisam para existir no mundo atual. O problema é que esses povos indígenas ainda dependem da forma como o Estado os admite, os nomeia, os despreza, etc.”
Já Fiore Longo, da ONG Survival International, destaca a vulnerabilidade dos povos não contactados. “Sabemos muito pouco sobre eles porque, de fato, não são contactados, estão isolados, mas sabemos que são muito vulneráveis a doenças para as quais nós temos imunidade. Por exemplo, sabemos sobre o sarampo e que eles dependem 100% do seu território para viver. Eles se encontram principalmente em áreas ricas em biodiversidade. Por exemplo, a maioria dos povos não contactados está na Amazônia, especialmente no Peru e no Brasil”, disse em entrevista à RFI.
Lutas para existir
As lutas desses povos por sua existência começaram no nível local, depois nacional, antes de alcançar o nível internacional. “Na década de 1970, antropólogos se mobilizaram para denunciar assassinatos e o sistema que conduzia à sua exterminação”, lembra Irène Bellier. “A questão indígena avançou a partir do momento em que as Nações Unidas estabeleceram um grupo de trabalho, em 1982, dentro da Comissão para a Proteção das Minorias. Eles testemunharam seu cotidiano sobre questões de saúde, educação, desenvolvimento, pobreza e violações de seus direitos fundamentais. Isso fez com que as linhas se movessem na ONU e os princípios da futura Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas foram estabelecidos.”
“É importante também destacar que os indígenas têm uma consciência transnacional elevada”, diz Bellier. Como exemplo ela cita os Inuit, pejorativamente chamados de esquimós pelos colonizadores, que sobrevivem no Alasca, Canadá, Groenlândia e Rússia. “As fronteiras dos Estados muitas vezes dividiram seus povos, além disso, desde a década de 1970, os Inuit alertaram o mundo sobre os efeitos das mudanças climáticas: se o gelo derrete, as práticas culturais e culturais são perturbadas”, explica.
“Os representantes das organizações indígenas participam das negociações, dialogam com os Estados, mas o nível decisório lhes escapa”, lamenta Irène Bellier. “Desde 2014, os indígenas pedem que seja estabelecida sua participação na Assembleia Geral das Nações Unidas, não apenas como observadores, o que já são, mas como os Estados, com uma voz e um direito de voto, eles tentam obter pelo menos uma representação sub-regional. Os 194 Estados-membros das Nações Unidas não querem abrir mão do monopólio da representação política”, concluiu.