Estudo inédito mostra que incentivo aos combutíveis fósseis domina mais de 80% de todo aporte do governo no setor
Lançado nesta terça-feira (29), o novo estudo do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc)alerta para a discrepância dos subsídios ofertados pelo governo federal para produção e consumo de energia de fonte fóssil em relação às renováveis.
Os incentivos aos combustíveis provenientes do petróleo, gás natural e carvão somaram R$ 81,74 bilhões, 81,9% do total de tudo que o Estado brasileiro contribui em isenção energética, enquanto os subsídios às renováveis somaram R$ 18,06 bilhões ou 18,10% do total.
Em resumo, a cada R$ 1,00 gasto em fontes renováveis de energia, R$ 4,52 são subsidiados aos combustíveis fósseis.
“Esse estudo foi feito para pressionar o governo para que possamos ter uma transparência maior, que a gente possa saber quais são esses subsídios, visto que a gente vive um cenário muito preocupante a nível global de mudanças do clima”, explica Cássio Carvalho, autor do estudo em entrevista ao programa Bem Viver desta terça.
“Combustíveis fósseis são os grandes responsáveis pelo aquecimento global. E que, como resultado, traz para as populações desastres, como foi, no primeiro semestre, as enchentes no Rio Grande do Sul, ou agora, no segundo semestre, as secas.”
Embora o especialista alerte que a transição energética é um tema urgente, ele aponta para que esse processo não “continue perpetuando um modelo injusto do sistema energético.”
“O que está sendo debatido muito fortemente, sobretudo no Nordeste, são os impactos que as eólicas estão levando para as comunidades”, alerta o pesquisador.
As famílias “estão abrindo a janela e vendo uma torre eólica quase entrando dentro da sua casa e trazendo diversos problemas de saúde, de ruído, desterritorialização. Isso tudo está ampliando, inclusive, o êxodo rural”.
“Essas empresas, por mais que sejam empresas que vão instalar fontes renováveis, como é o caso da eólica, como é o caso das fazendas solares que ocupam gigantescas áreas, seja aqui no Centro-Oeste, é mais um entrave na disputa das terras da questão agrária do país.”
O estudo mostra que, em 2023, os subsídios para produção e consumo de energia chegou a R$ 99,81 bilhões, o que representou um aumento de 3,57% em relação a 2022.
Esse foi o resultado de uma elevação de R$ 3,82 bilhões ao incentivo às fontes renováveis, em detrimento das fontes fósseis, que tiveram uma queda de R$ 372 milhões, uma diminuição de menos de meio ponto percentual.
Confira a entrevista na íntegra
Qual foi o objetivo do estudo?
Estamos lançando a sétima edição do nosso estudo que analisa os subsídios direcionados às fontes energéticas aqui no Brasil. E a gente faz isso justamente por conta de que não há uma transparência por parte do governo brasileiro em mostrar isso para a sociedade.
Quanto é que a gente está subsidiando? Subsídio fiscal é aquilo que incentiva as empresas e o consumo de determinado produto. Nesse caso, os combustíveis de energia seja fóssil ou renovável.
Esse estudo foi feito para pressionar o governo para que possamos ter uma transparência maior, que a gente possa saber quais são esses subsídios, visto que a gente vive um cenário muito preocupante a nível global, de mudanças do clima.
Esses combustíveis fósseis são os grandes responsáveis pelo aquecimento global. E que, como resultado, traz para as populações desastres, como foi, no primeiro semestre, as enchentes no Rio Grande do Sul, ou agora, no segundo semestre, as secas
Qual caminho o estudo indica? Como o governo deve agir diante do atual cenário de subsídios?
Nosso estudo aborda os combustíveis fósseis, então a gente está falando de petróleo e seus derivados, gás natural e o carvão mineral.
Esses combustíveis tiveram, a partir da Revolução Industrial [1760-1840], um escalonamento da sua demanda para alimentar, sobretudo, o Norte global no desenvolvimento econômico desses grandes países ricos.
Ao longo das décadas, com a queima desses combustíveis, foram emitidos volumosos gases de efeito estufa. Esses gases de efeito estufa, sobretudo o CO2, o dióxido de carbono, são liberados quando a gente queima o petróleo, o diesel, a gasolina, o gás natural e o carvão mineral.
E, com isso, esses gases foram aquecendo a temperatura do planeta e, consequentemente, pouco a pouco, mudando todo o clima da Terra e trazendo consequências que eu citei.
As economias foram ficando altamente dependentes, e alguns países possuem grandes reservas de petróleo, de gás natural, inclusive de carvão.
E o Brasil hoje é um desses países. O Brasil é o nono maior produtor de petróleo no mundo e correndo a passe dos largos para ser o quarto maior produtor.
Mas, com o entendimento de necessidade de mudança, a gente viu crescer, ao longo dos últimos 10 anos, a fonte solar, a fonte eólica, a biomassa, a hidroelétrica. Por mais que tragam impactos socioambientais, são fontes que não emitem volumosos gases de efeito estufa.
O que se sabe sobre o efeito da produção de energia fóssil para o planeta?
O processo de exploração de poços de petróleo no pré-sal, como é feito pela Petrobras e outras empresas, é um mecanismo de produção subsidiado por nós através de renúncias fiscais, ou seja, as empresas estão deixando de pagar impostos, que poderiam servir para questões sociais como a saúde, a educação, ou, até mesmo, para que a gente pudesse caminhar mais rapidamente para a nossa transição energética, que precisa de recurso pra que isso aconteça.
No entanto, a partir do momento que esse petróleo é extraído, ele é comercializado. Nem todo do petróleo que é extraído no Brasil, é consumido aqui.
Grande parte, a parte substancial desse petróleo, é enviada para esse mercado internacional do petróleo que vai alimentar, inclusive, os países ricos.
Um grande comprador do petróleo do Brasil, pós-conflito entre Rússia e Ucrânia, é a União Europeia, é a China.
A Petrobras, quando vende esse petróleo, cria uma renda, no entanto, parte vai para pagar as acionistas que investem nela, e uma dessas acionistas, a maior de todas, é a União, o Estado brasileiro. No entanto, quando essa renda chega, através de dividendos, vai para pagar a dívida pública. Não vai para desenvolver o nosso país socialmente, economicamente.
Lembrando que estamos falando de empresas que pertencem a um setor que tem ganho de escala, tem conteúdo local, que tem tecnologia avançada, tem pessoal muito capacitado.
Então, por que ainda é necessário esses subsídios? A gente poderia, então, ir diminuindo gradualmente esse subsídio. A gente sabe que, no Sul do país, a gente explora e queima muito carvão mineral e isso às custas dos consumidores de energia elétrica.
Eu, você e quem está nos ouvindo, subsidia isso na nossa conta de luz, que a gente não consegue ver lá naquele papelzinho que as empresas nos entregam pra pagar, aquele boleto.
Por fim, não dá também para a gente falar “olha, vamos tirar o subsídio do consumo, vamos tirar os subsídios da gasolina, porque a gasolina estaria mais cara”.
No entanto, isso tem que andar como uma política de Estado, e aqui eu falo desde a nível federal até chegando no nível municipal, pensando em como melhorar o nosso transporte coletivo, o transporte público da cidade, por exemplo, para que as pessoas não dependam de utilizar os seus carros.
Eu, morando na zona Leste de São Paulo, não vou querer pegar o trem lotado às seis horas da manhã para ir trabalhar no centro, naquele caos que é o transporte urbano das cidades, se eu puder ir no conforto do meu carro.
Então veja que, de um lado, a gente tem uma indústria que é altamente preparada para explorar e não dependeria desses subsídios, e é onde está o grande volume desses subsídios. E, do lado do consumo, a gente precisa de políticas, de programas que o Estado brasileiro possa resolver para que a gente consiga diminuir o consumo.
Que preocupação devem ser levadas em conta na hora de apoiar mais as energias renováveis?
O que está sendo debatido muito fortemente, sobretudo no Nordeste, são os impactos que as eólicas estão levando para as comunidades, que estão abrindo a janela e vendo uma torre eólica quase entrando dentro da sua casa, e trazendo diversos problemas de saúde, de ruído, desterritorialização. Isso tudo está ampliando, inclusive, o êxodo rural.
Então, essas empresas, por mais que sejam empresas que vão instalar fontes renováveis, como é o caso da eólica, como é o caso das fazendas solares que ocupam gigantescas áreas, seja aqui no Centro-Oeste, é mais um entrave na disputa das terras da questão agrária do país.
Se a gente já tinha o agronegócio disputando terra com os pequenos produtores rurais, agora a gente tem essas fazendas, e tem que ser discutido porque elas se alicerçam nesses subsídios para que o negócio seja rentável para eles.
O que a gente vem dizendo é que, por mais que seja uma fonte renovável, não dá para fazer apenas a substituição das fontes. É preciso que a gente não continue perpetuando um modelo injusto do sistema energético.
Por exemplo, é preciso que a gente universalize o serviço de energia para a população, que a gente consiga oferecer tarifas acessíveis para que os consumidores possam utilizar o serviço.
Essa expansão das fontes renováveis não deve ser às custas do consumidor de energia elétrica. Tem que, primeiramente, trazer a responsabilização do setor de petróleo e gás natural para que eles também possam assumir essa conta. Tem que ser levado para as custas da União, ou seja, os contribuintes devem também arcar, mesmo sabendo do sistema tributário injusto que ainda existe o Brasil, mas não perpetuando, aumentando a pobreza energética por meio de tarifas altas.