Por *João Maciel de Araújo – Na manhã de ontem (20/01/2025) foi noticiado que a equipe de resgate encontrou o corpo da jovem Talita Ferreira Lago, de 22 anos, desaparecida na manhã da última sexta-feira (17/01/2025), após a colisão entre uma balsa e duas casas flutuantes às margens do rio Madeira, município de Manicoré (AM).
As três crianças, filhas de Talita, continuavam desaparecidas.
Segundo noticiado em alguns veículos da imprensa regional, a embarcação que atingiu e destruiu o flutuante onde Talita morava, trata-se de um comboio de 12 balsas, carregadas com soja, que havia partido de Porto Velho (RO).
Segundo também os noticiários, o comandante da embarcação declarou à Polícia Civil que
tentou desviar o flutuante, mas não conseguiu, devido ao peso do comboio de balsas e da correnteza do Rio Madeira.
Este lamentável episódio foi recebido por moradores de comunidades ribeirinhas
da região do município de Humaitá (AM) com muita tristeza e indignação. Tristeza pela perda da vida de pessoas inocentes que nada fizeram para merecer tal fim.
Indignação porque, segundo vários moradores destas comunidades, eles têm recorrentemente alertado as autoridades náuticas a respeito do perigo que estas enormes embarcações representam para as comunidades que habitam as margens do Madeira.
Em Humaitá, são vários os casos de perda de canoas e motores atracados nos portos das comunidades, devido ao grande banzeiro (ondas) causado pelos comboios. Segundo os comunitários, em muitos casos estas grandes
embarcações não respeitam as normas de navegação, ultrapassando as áreas destinadas ao seu tráfego, sendo conduzidas muito próximas às margens do rio.
“Não são tomadas providências quando apresentamos reclamações. É como se a
perda de nossos bens nada importasse para as autoridades e estas empresas, que agem como se fossem donas do Rio Madeira. Quando chega essa época do ano, que o rio aumenta o volume de água, nossa preocupação passa a ser com estasgrandes embarcações”, relata um comunitário.
A julgar pelo que verifica-se na internet, em relação ao tratamento concedido pelo Estado brasileiro à estas empresas, o comunitário está coberto de razão. A empresa que, segundo a imprensa regional, é responsável pelo comboio que atingiu a moradia da jovem Talita é beneficiária de recursos vultuosos do Fundo Nacional da Marinha Mercante, redução da alíquota de imposto de renda e em abril de 2024 recebeu autorização da Capitania dos Portos de Porto Velho para trafegar rio Madeira com comboios de até 30 balsas (mais de 300 metros de comprimento).
Portanto, estamos diante de mais um caso em que o Estado subsidia grandes projetos econômicos que geram desrespeito e destruição às populações tradicionais amazônicas.
*João Maciel de Araújo, doutor em Sociologia pela UNESP, Professor do Instituto Federal do Amazonas – Campus Boca do Acre. Coordenador do projeto de pesquisa “Os impactos do avanço do agronegócio sobre as comunidades ribeirinhas das calhas dos rios Madeira e Purus.”
*foto divulgação Marinha