DW, por Lisa Hänel – A 27 de janeiro, a Alemanha recorda as vítimas do nacional-socialismo, assinalando 80 anos do Holocausto. Uma data marcada por cerimónias e reflexões sobre o passado e a importância da memória histórica.
As bandeiras estão a meia-haste, há coroas de flores junto ao púlpito do Bundestag. Muitos deputados e convidados vestem preto. Há discursos e aplausos solenes, repetidos ano após ano.
Estamos no final de janeiro na Alemanha, em torno do dia 27, Dia da Memória das Vítimas do Nacional-Socialismo, conhecido internacionalmente como Dia da Memória do Holocausto. Esta data marca o aniversário da libertação dos campos de concentração e extermínio em Auschwitz, a 27 de janeiro de 1945 – há precisamente 80 anos. Esta memória é um elemento central da cultura de lembrança alemã.
Na Alemanha, existem mais de 300 memoriais e centros de documentação sobre o nacional-socialismo. Os alunos abordam o tema do nazismo nas aulas de História, e alguns visitam memoriais de antigos campos de concentração no país, sendo educados sobre as atrocidades cometidas nesses locais. Houve grandes julgamentos de crimes de guerra, como os Processos de Auschwitz, e empresas investigaram as suas ligações aos crimes nazis. Até hoje, antigos guardas de instalações de extermínio nazis – agora em idade avançada – continuam a ser julgados.
Trata-se da memória do capítulo mais sombrio da história alemã. A Alemanha nazi iniciou aSegunda Guerra Mundial, que causou milhões de mortes, sendo responsável pelo extermínio sistemático de seis milhões de judeus europeus. A esta tragédia somam-se centenas de milhares de outras vítimas do terror nazi: Sinti e Roma, opositores políticos, pessoas homossexuais e pessoas com deficiência.

O que é a cultura de memória alemã?
Segundo a politóloga e publicista Saba-Nur Cheema, a resposta é simples: “Cultura de memória é um conhecimento coletivo e uma recordação do passado. No contexto alemão, refere-se principalmente à memória do Holocausto e ao confronto com o nacional-socialismo.” Nos últimos anos, a memória da ditadura da RDA e do colonialismo também tem ganho espaço.
Os mais jovens podem pensar que a Alemanha sempre cultivou esta cultura de memória. No entanto, Fritz Bauer, o procurador-geral que levou os crimes de Auschwitz a tribunal em Frankfurt contra enorme resistência, disse nos anos 1960: “Quando saio do meu escritório, estou em território inimigo”. Bauer, ele próprio judeu, sobreviveu ao regime nazi fugindo para a Suécia.
Na Alemanha, o Dia da Memória das Vítimas do Nacional-Socialismo só começou a ser assinalado em 1996. Nunca foi declarado feriado oficial.
Memória e recordação: ameaçadas pela extrema-direita
Até hoje, a memória dos crimes nazis é alvo de ataques – especialmente por parte de extremistas e populistas de direita. Jens Christian Wagner, diretor do Memorial de Buchenwald e Mittelbau-Dora, é um exemplo disso. Por se posicionar claramente contra o partido de extrema-direita Alternativa para a Alemanha (AfD) na Turíngia, tem recebido ameaças.

“Quase todos os memoriais enfrentam vandalismo e negação do Holocausto. Também se nota um agravamento das discussões locais”, afirma Veronika Hager, da Fundação Memória, Responsabilidade e Futuro (EVZ). “Declarações que há dez anos seriam amplamente rejeitadas hoje recebem muito mais apoio.”
Recentemente, a líder da AfD, Alice Weidel, afirmou numa entrevista televisiva: “Não há dúvida de que Adolf Hitler foi um socialista antissemita, e o antissemitismo é principalmente de esquerda.” Esta declaração junta-se a outras polêmicas de membros do partido, como a de que o período nazi foi “apenas uma mancha insignificante na história”.
Segundo Saba-Nur Cheema, o objetivo destes discursos é desviar o foco, para que no futuro se deixe de discutir o que aconteceu, tornando menos tangível a ameaça de grupos nacionalistas de direita.
A cultura de memória está a fracassar?
Michel Friedman, publicista e ativista, há anos alerta para o crescente antissemitismo e critica duramente a cultura de memória alemã. “Se tivéssemos feito o trabalho de casa, o ódio aos judeus não estaria agora a florescer de forma tão descarada e brutal”, disse numa entrevista à *Der Spiegel*.
Para Friedman – assim como para muitas organizações judaicas – a cultura de memória alemã tornou-se demasiado ritualizada e focada no passado. “Por mais importante que seja honrar os judeus mortos, a nossa responsabilidade é com os judeus vivos. E a vida para eles na Alemanha não está boa.”

Lutar pela memória e proteger a vida judaica
Desde os ataques da organização Hamas a Israel, a 7 de outubro de 2023, também os incidentes antissemitas aumentaram na Alemanha. Para alguns, isso prova que a cultura de memória falhou.
Joseph Wilson, especialista da EVZ, sublinha que cultura de memória não é o mesmo que prevenção e combate ao antissemitismo. “O que sentimos ao visitar um memorial não se traduz automaticamente em consciência no presente, nem ajuda as pessoas a identificar códigos e teorias da conspiração antissemitas.”
Segundo Wilson, os conceitos de prevenção ao antissemitismo precisam ser melhorados, reconhecendo os seus limites.

Uma cultura ou várias culturas de memória?
A cultura de memória alemã já enfrentou diversas disputas, desde debates sobre a singularidade dos crimes nazis até as tensões causadas pela guerra em Gaza, que revelou divisões também na Alemanha.
Enquanto muitos veem a frase “Nunca mais” como um apelo à solidariedade com Israel e os judeus, o mesmo slogan é usado em manifestações pró-palestinianas, mostrando a pluralidade de interpretações.
Para Saba-Nur Cheema, o envolvimento da sociedade civil prova que a cultura de memória é dinâmica e pode incluir múltiplas narrativas. Segundo ela, o desafio é encontrar um equilíbrio entre o passado, as exigências do presente e as questões levantadas pelas comunidades migrantes.
Michel Friedman resumiu bem: “Sabe, há milhões de testemunhas do passado. Veja o que os seus avós, tias-avós e tios-avós fizeram.” Afinal, a memória é um processo vivo que continua a evoluir – e nunca estará completa.