Pesquisadores apontam áreas prioritárias para restauração no Brasil

Pesquisadores apontam áreas prioritárias para restauração no Brasil

UOL – O governo do Pará anunciou no início de março que irá conceder 30 mil hectares para empresas de restauração florestal na região do Triunfo do Xingu, uma das mais desmatadas da Amazônia. O modelo deve replicar o edital lançado no final de 2024 para a Área de Proteção Ambiental Triunfo do Xingu, onde a empresa vencedora vai assumir o trabalho de restauração em troca da comercialização dos créditos de carbono.

A mesma lógica será aplicada à concessão da Floresta Nacional do Bom Futuro, em Rondônia, cujo edital deve ser lançado ainda neste ano pelo governo federal. Estudos para a concessão de outras sete áreas públicas também estão em andamento, segundo o Ministério do Meio Ambiente informou à Mongabay.

Os projetos respondem a uma demanda cada vez maior da agenda climática global — até 2030, as Nações Unidas estarão promovendo a Década da Restauração de Ecossistemas, em um claro entendimento de que controlar o desmatamento não será suficiente para combater as mudanças climáticas.

A Ministra do Meio Ambiente Marina Silva lançou o chamado Novo Planaveg em outubro de 2024 durante a COP16, na Colômbia
A Ministra do Meio Ambiente Marina Silva lançou o chamado Novo Planaveg em outubro de 2024 durante a COP16, na Colômbia Imagem: Ministério do Meio Ambiente

Apesar de não sequestrar tanto carbono quanto a Amazônia, a vegetação do Cerrado ajuda a proteger algumas das principais bacias hidrográficas do Brasil
Apesar de não sequestrar tanto carbono quanto a Amazônia, a vegetação do Cerrado ajuda a proteger algumas das principais bacias hidrográficas do Brasil Imagem: Marizilda Cruppe/Greenpeace

Com 109 milhões de hectares de pastagens degradadas — área equivalente a duas Espanhas —, o Brasil tem enorme potencial de restauração. Mas projetos como estes costumam ser caros e complexos. Na maioria das vezes, não basta abandonar a área e esperar que a vegetação se regenere por conta. Segundo especialistas, é preciso pelo menos impedir a entrada do gado e do fogo. Em projetos mais intervencionistas, há o cultivo de milhares de mudas de plantas nativas que precisam ser monitoradas anos a fio para impedir ataques de pragas e espécies invasoras.

Dependendo do bioma, a tarefa pode se tornar ainda mais complexa pela variedade de paisagens. “O Cerrado é um grande mosaico de vários tipos de formações vegetais que incluem campos, áreas florestais e savanas, que são essa mistura entre árvores, arbustos e gramíneas”, exemplifica a bióloga Jéssica Schüler, da Universidade de Brasília. “Quando falamos de restauração do Cerrado temos que entender qual ecossistema especificamente estamos restaurando”.

Diante de tantos desafios, é essencial saber onde concentrar os esforços. Por isso, pesquisadores brasileiros vêm trabalhando para identificar áreas cuja restauração traria o maior número de benefícios. Um dos trabalhos mais ousados foi publicado em fevereiro deste ano na revista Biological Conservation, e reuniu mais de oitenta pesquisadores para mapear áreas prioritárias para restauração em todos os biomas brasileiros.

Um dos critérios utilizados foi a conectividade, que é a possibilidade de uma área restaurada servir de corredor entre duas áreas verdes e permitir a circulação dos animais. “Quando as espécies ficam isoladas, isso diminui o intercâmbio genético, especialmente para espécies de alta mobilidade como a puma ou a onça, que precisam de territórios muito grandes”, explica Luisa Fernanda Liévano-Latorre, pesquisadora do Instituto Internacional para Sustentabilidade e uma das autoras do estudo.

A partir de informações de mais de 10 mil espécies nativas de flora e fauna, os cientistas também conseguiram avaliar quais áreas permitiriam um maior ganho de habitat para estas espécies, caso restauradas. Após reunir todos os dados e colocá-los no mapa, os pesquisadores perceberam o papel estratégico das áreas de transição entre diferentes biomas.

“Estas são áreas muito heterogêneas e com uma riqueza muito alta de espécies e de habitats”, diz Liévano-Latorre. “Também são áreas que tendem a ter maior pressão de desmatamento, como a região de transição entre Amazônia e Cerrado”.

Pesquisadores usaram critérios de aumento de habitat e de conectividade para identificar as áreas onde seria mais vantajoso implementar projetos de restauração
Pesquisadores usaram critérios de aumento de habitat e de conectividade para identificar as áreas onde seria mais vantajoso implementar projetos de restauração Imagem: Liévano-Latorre, LF et al

Além de embasar políticas públicas, trabalhos como este podem orientar investimentos no crescente mercado de restauração brasileiro. Focadas na comercialização de créditos de carbono, empresas do setor têm atraído investimentos de big techs e de bancos nacionais e internacionais.

É o caso da Mombak, que em menos de cinco anos já adquiriu 20 mil hectares na Amazônia e atraiu US$ 340 milhões em investimentos de gigantes como o fundo de pensão do Canadá, a Rockefeller Foundation e o Banco Mundial. Apesar de ainda não ter emitido nenhum crédito de carbono, contratos de fornecimento já foram fechados com Google e Microsoft. “O recurso financeiro existe e está crescendo, mas pelo tamanho do mercado vai necessitar muito mais”, disse Renato Crouzeilles, diretor de ciências da Mombak, à Mongabay.

Outra líder do setor, a Biomas, foi criada pelos bancos Itaú Unibanco, Santander, e Rabobank, além da mineradora Vale, a empresa de papel e celulose Suzano e a indústria de carne Marfrig. Sua meta é regenerar 2 milhões de hectares na Amazônia, Mata Atlântica e Cerrado.

A Mombak possui 20 mil hectares com projetos de reflorestamento na Amazônia, em um modelo de negócio totalmente dependente dos créditos de carbono
A Mombak possui 20 mil hectares com projetos de reflorestamento na Amazônia, em um modelo de negócio totalmente dependente dos créditos de carbono Imagem: Raimundo Pacco?/Mombak

Para estas empresas, cujo modelo de negócio depende do carbono, a capacidade de absorção de gases do efeito estufa é um fator decisivo na escolha da área a ser restaurada. Segundo os pesquisadores, no entanto, outros benefícios também devem entrar na conta.

Paisagens do Cerrado, por exemplo, podem não ser tão eficientes quanto a Amazônia na estocagem do carbono, mas são fundamentais para o abastecimento de água de oito das 12 principais bacias hidrográficas do país. “Talvez se a gente mudasse esse foco [do carbono] para atender também outros critérios importantes, como a água e a biodiversidade, a gente conseguisse dar mais atenção a outros biomas que também estão super ameaçados”, disse Schüler, que trabalhou em um estudo para identificar áreas prioritárias para restauração no Cerrado.

O maior potencial de restauração no Brasil está em fazendas cujos proprietários desmataram ilegalmente áreas de preservação permanente ou de reserva legal, e que por lei precisam ser recuperadas. “A restauração deve ocorrer onde a legislação prevê”, diz Rubens Benini, líder de Florestas e Restauração da TNC Brasil.

Segundo o Termômetro do Código Florestal, existem 20,7 milhões de hectares nestas condições espalhados pelo território nacional, quase o dobro da meta de 12 milhões de hectares assumida pelo Brasil no chamado Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa (Planaveg). Criado em 2017 e engavetado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro(2019 – 2022) o plano foi retomado pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva em outubro de 2024.

“O plano estava indo bem até que a gente teve uma gestão que exclui a sociedade civil deste processo”, lembra Benini, um dos representantes do conselho responsável por implementar o Planaveg. “Estamos felizes com a nova versão do plano. Agora é cobrar para que a coisa ande, e a gente também quer contribuir para que isso aconteça”.

O governo federal trabalha no seu próprio mapa de áreas prioritárias para restauração, em parceria com universidades, institutos de pesquisa e organizações não-governamentais. Segundo o Ministério do Meio Ambiente, o mapa vai integrar critérios como conservação da biodiversidade, mitigação das mudanças climáticas, disponibilidade hídrica e custos de implementação e oportunidade, com o objetivo de “direcionar investimentos às áreas com maior potencial de retorno ambiental e econômico”. O trabalho deve ser concluído em outubro de 2025.

Por Fernanda Wenzel

*Notícias da Floresta é uma coluna que traz reportagens sobre sustentabilidade e meio ambiente produzidas pela agência de notícias Mongabay, publicadas semanalmente em Ecoa. Esta reportagem foi originalmente publicada no site da Mongabay Brasil.

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