Uma blitz da Operação Lei Seca terminou com uma cena brutal de espancamento. A vítima ficou com o rosto completamente desfigurado e consta no registro da ocorrência que as lesões foram provocadas por uma queda.
“O conduzido caiu com o rosto ao solo, momento em que tanto o policial quanto o conduzido vieram a cair ao solo, por este motivo há escoriações no rosto do conduzido.”
Faltou descrever a altura da queda. Uns 15 metros, talvez?
A vítima teria agredido os policiais que reagiram com indiscutível abuso, seguido de intenso sofrimento físico com o emprego de violência. Podia ter morrido com a ‘queda’ que sofreu, como alegaram os policiais.
Está na cara que o registro da ocorrência não é verdadeiro, literalmente, na da vítima.
O relato é comum, se repete diariamente nas delegacias. Só que desta vez a vítima é um advogado.
É uma diferença enorme, porque o advogado possui prerrogativas que um cidadão comum não tem. Ninguém sob a guarda do Estado pode ser submetido a castigo ou medida preventiva com o uso da violência que imponha grave ameaça à sua integridade física e mental.
Mas, felizmente, não é comum vermos advogados como vítimas de tortura policial.
O advogado agredido, inclusive quando policial, foi condenado a indenizar familiares de um funcionário do Ibama que matou durante uma briga. Agora, o advogado que era policial virou vítima da polícia.
http://www.jornalorondoniense.com.br/noticias.asp?cd=43262
Precisamos refletir sobre esses tempos insanos. Nada justifica a violência policial, mas infelizmente muita gente acha que sim.
Traço o paralelo, porque este fato inaceitável aconteceu no momento em que o país vê crescer uma onda parlamentar conservadora que despreza a crescente violência policial.
Há dez dias, divulguei que o presidente interino Michel Temer havia retirado a urgência do Projeto de Lei 5124/16, que estabelece procedimentos para a apuração de mortes envolvendo a ação policial.
Antes de ser afastada, a presidente Dilma pediu tramitação com urgência constitucional ao Congresso Nacional.
Na ocasião, destaquei: “Segundo dados da ONG Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 3.022 pessoas foram mortas por policiais no Brasil em 2014 – oito por dia. O número representa um aumento de 37,2% em relação a 2013. Entre 2008 e 2013 foram contabilizadas 11.197 vítimas de confrontos policiais em todo o Brasil. Segundo a ONG Conectas, esse número é maior do que o de pessoas mortas em 30 anos por todas as polícias dos Estados Unidos, país com população bem maior que a brasileira.”
Pela reflexão me expus a um debate insano com advogados e advogadas nas redes sociais e, inacreditavelmente, alguns e não importa quantos, defenderam mais rigor na ação da polícia. Uma advogada teve a indecência de escrever que direito é pra cidadão direito e por isso, óbvio, encerrei o debate.
Outro, sem qualquer cerimônia, declarou que deseja Jair Bolsonaro como presidente e, cá prá nós, não preciso repetir o que deputado já disse sobre o tipo de polícia que quer nas ruas pra inibir a violência.
Como bacharel, tive que ler horrores nas redes sociais nos últimos dias. Tive que suportar advogados compartilhando a frase: “falou em cultura do estupro, já sei que é retardada”.
Quando Bolsonaro se tornou réu por incitar o crime de estupro, nem um, nem dois, mas vários advogados e advogadas consideraram injusto. E o que dizer dos que corroboram com a conceituação pejorativa de que os Direitos Humanos só servem a bandidos? Pois é, tem muito operador do direito que fortalece esse equívoco, prejudicando uma conquista de toda a humanidade.
Nesses tempos medonhos, que essa agressão brutal contra o advogado não fique impune, que os policiais envolvidos sejam afastados dos cargos imediatamente, mas que sirva também como reflexão aos advogados e advogadas que promovem a truculência policial e fazem coro à barbárie.
No debate que travei nas redes sociais com inscritos na OAB-RO, disse justamente o que a seccional pontuou na nota enviada à imprensa, que não há nada que justifique a autoridade policial praticar conduta criminosa.
Um advogado me provocou quanto à ‘inutilidade’ da defesa dos Direitos Humanos com a pergunta: “E se for vítima de bandido, você ainda vai dizer que Direitos Humanos são bons?”
Respondi na ocasião: E se você for vítima de violência policial, vai dizer que Direitos Humanos são bons?
Da banalidade do mal, todo advogado devia saber.
A lei só é eficaz quando é pra todos.
Do contrário, um dia torturam um negro só porque é negro e quem não é negro não se importa e noutro, torturam um advogado e quem não é advogado também não se importa.