Arraial do MBL: Sanfona velha do fole furado só faz fum, só faz fum

Arraial do MBL: Sanfona velha do fole furado só faz fum, só faz fum

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Festa-mico do MBL: nem a quadrilha apareceu!

Carrão na ciclofaixa, vinho clandestino, comerciantes enganados e o mau humor do Kim Kataguiri: o que vimos na festa junina do MBL

Por Flávia Martinelli e Adolfo Várzea para os Jornalistas Livres

Kim Kataguiri até parecia animadinho no vídeo em que convocava sua galera para o Arraial do MBL, o auto-denominado Movimento Brasil Livre, um dos grupelhos que organizou atos pró-impeachment com a conversa fiada de que era apartidário e apolítico.

“Vai ser no domingão, dia em que você não vai fazer absolutamente nada além ficar vendo Faustão!”, convidava o garoto-propaganda de 19 anos. Famoso pelo mullet no cabelo e por usar o repertório da série infanto-juvenil Power Rangers para convocar militantes pró-impeachment em sua coluna no jornal “Folha de S.Paulo”, Kim anunciava as celebridades do evento: “Vai ter Ronaldo Caiado! Vai ter Danilo Gentilli! Vai ter o Pauderney, o líder do DEM na Câmara dos Deputados!”. Kim contava que também haveria comida e bebida. “Mas não alcóolica!”, ressaltava.

Ao seu lado, no vídeo, aparecia Fernando Silva, de 19 anos, que escolheu Holiday como sobrenome. Silva ficou famoso por vociferar impropérios contra negros. Diz que “por ter mais melanina”, não precisa “roubar vagas dos outros na universidade”. O rapaz já comparou os negros que lutam pela política de cotas a “vermes”, “porcos no chiqueiro fuçando a lama do resto do Estado” e “parasitas atrás do Estado querendo corroer cada vez mais e mais, com esse discurso de merda, com esse discurso lixo”.

Numa sessão solene da Câmara dos Deputados, Silva rasgou o “Hino à Negritude”. Era o Dia Internacional de Luta contra a Discriminação Racial. O deputado Vicentinho (PT-SP), presente na ocasião, apenas lamentou ver “um jovem negro sendo usado pela direita branca desse país.” No vídeo em que convidava para a festa junina do MBL, Silva sorria, simpaticão, e dizia que a quermesse seria um momento para “bater um papo bem legal e, claro, curtir a fogueira de São João”

DA FOGUEIRA À PROMESSA DE ANIMAÇÃO, TUDO ERA FALSO NO ARRAIAL DO GRUPELHO QUE SE DIZIA APARTIDÁRIO E HOJE TEM CANDIDATOS PELO DEM E PMDB

Endinheirados no palco dos estupradores

O evento foi aberto a todos que se dispusessem a pagar R$ 25 pelo convite comprado pela internet ou no local do evento que, por sinal, merece destaque. A festinha do MBL aconteceu na Associação Atlética Acadêmica Oswaldo Cruz (AAAOC), a Atlética da Medicina da USP, o curso mais concorrido da universidade mais prestigiosa do Brasil.

Na piscina da AAAOC, um calouro de 22 anos foi morto durante a festa de recepção dos bichos em 1999. De lá para cá, o local também apareceu no noticiário como cenário de inúmeras denúncias de casos graves de abusos sexuais, incluindo estupros (alguns coletivos), castigos físicos, humilhações, machismo, racismo e discriminação social que ganharam investigação do Ministério Público (MP-SP) e da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de São Paulo.

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O MBL pagou R$ 6.625 pelo aluguel do distinto local – num acordo em que depois do centésimo ingresso vendido o valor dos bilhetes era repartido entre a Atlética e os promotores da festa. Compareceram 170 pessoas, metade dos convivas estimados para o evento ou 25% dos que haviam manifestado interesse em participar no Facebook, o que representa menos de 5% dos 4 mil convidados. A bilheteria arrecadou módicos R$ 2500.

Foi prejuízo pra todo mundo. Até para os prestadores de serviços das quatro ou cinco barraquinhas de comida. “Perdi a chance de faturar numa festa grande, em pleno Dia de São João, porque eles falaram que ia ter gente de grana nesse evento”, contou um dos fornecedores que não sabia o que é MBL.

Os carros estacionados ilegalmente na ciclofaixa, que fica na rua do clube, tornavam evidente que os convidados (alguns endinheirados) desprezam a lei e as coisas públicas. “Eles não gastaram muito, não. Vendi pouco. Isso aqui tá muito ruim”, completou o vendedor.

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Vinho clandestino na caneca “Somos todos Moro”

Numa tentativa de se infiltrar no rolezinho da direita, dois Jornalistas Livres foram conferir a quermesse. A expectativa era de, ao menos, participar das rodinhas de conversa para saber como comemoram os que se dizem arautos do golpe. Mas nem isso deu.

Depois horas entediantes no evento, a conclusão foi uma só: assim como o próprio MBL, quase tudo o que se viu naquela festa junina foi de mentira. Da promessa vazia de uma evento animado ao papinho furado de que não teria bebida alcoólica no convescote, passando pela decoração gourmetizada de espantalhos limpinhos e estilizados. Até a fogueira do MBL era fake, feita de panos esvoaçantes iluminados com luzes fluorescentes…

Teve álcool na festinha, sim, senhor! Vinho quente adocicado de garrafão. Circulou no bar por R$ 6. Uma diminuta fila de espera, de não mais do que 10 pessoas, aguardava ansiosa para ser servida. Cada um tinha sua própria caneca com os dizeres “Somos todos Moro”. Essa, por sua vez, era vendida por R$ 40 na barraquinha do MBL – “no site custa R$ 50, viu? Leva a sua já”, propagandeou a militante que já tem como certa a candidatura do juiz à presidência.

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Mas, ah, por que diabos até o vinho tinha que ser escondido, clandestino, na festa junina do MBL? “Houve um suposto estupro aqui nesse clube e por isso o pessoal da faculdade não deixa vender bebida no bar”, contou outra militante que, com perspicácia, fez questão de dar ênfase, muita ênfase, no suposto do estupro. Ela também fez o gesto de aspas no ar com dois dedos das mãos. E logo completou: “Mas a gente está comprando vinho e o clube tá fazendo vista grossa”, revelou.

Cada um no seu quadrado

O local é capaz de recepcionar 500 pessoas. Sendo otimista, contava com no máximo 50 visitantes às 19 horas, horário de pico de qualquer quermesse de condomínio. Até o fim do evento, às 22 horas, nenhum sorriso foi retribuído e ninguém bateu nenhum “papo legal” com os repórteres que se dispuseram a fazer amigos e conhecer pessoas num verdadeiro esforço de reportagem. O máximo que ganhamos foram olhares ressabiados.

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Um rapaz grandão de jaqueta com os dizeres “POLI USP” em letras garrafais deu uma boa encarada quando passamos a tirar fotos. Foi um vacilo. Aquele cenário, nem de longe, merecia registro. Também sentimos desconfiança quando nos aproximamos das pessoas. Pudera. As rodinhas de conversa, em geral, estavam separadas por gênero: de homens ou mulheres. Quanto aos casais, todos héteros, era cada um no seu quadrado. Apenas uma dupla desajeitada prestigiou o sanfoneiro Ismar. Ele ficou feliz, até caprichou no forró e o DJ aumentou o som. Mas a estratégia não atraiu mais ninguém para o arrasta-pé.

PARA PIORAR O CLIMA, O SANFONEIRO FOI EMBORA ANTES DO FIM DA FESTA E A CANECA SOMOS TODOS MORO CUSTAVA R$ 40

Nem a quadrilha completa apareceu

Pra piorar, pobre Kim, nem a quadrilha completa de “celebridades” apareceu no seu arraial. Não teve Danilo Gentilli, o humorista que chamou a senadora Regina Souza, mulher negra do Piauí, de tia do café e já humilhou uma seguidora do Twitter por ser gorda. O senador ruralista Ronaldo Caiado (DEM), que responde a denúncias de campanhas financiadas pelo bicheiro Carlinhos Cachoeira em Goiás, também deu o cano.

Das estrelas alardeadas por Kim, o único que deu as caras foi padrinho político do MBL, o deputado Pauderney Avelino (DEM-AM) que apoia o jovem Fernando Silva, ops, Holiday, em sua pré-candidatura a vereador pelo DEM. Puxa… Ele chegou cedo e saiu rápidinho. Os Jornalistas Livres perderam.

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O congressista é velho conhecido das listas de escândalos políticos e corrupção. Em março, foi condenado a devolver cerca de R$ 4,6 milhões desviados em contratos ilegais e superfaturados de aluguéis de imóveis para escolas quando foi secretário de Educação de Manaus. Pauderney ainda foi denunciado pela revista Veja, aquela considerada pelo MBL como excelente fonte de informações, como beneficiário do recebimento de R$ 250 mil de empresas citadas na Lava Jato para sua campanha de 2014.

Apesar de menos prestigiado – por nem sequer ser citado como destaque do dia no vídeo do MBL ­–, outro político que deu o ar da graça foi o deputado federal Darcisio Perondi do PMDB-RS. Se ficha suja era requisito, ele cumpriu o protocolo. Perondi teve as contas de sua eleição de 2002 rejeitadas pelo Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul. Médico, ficou conhecido em todo o Brasil por ter cobrado consultas de pacientes pelo Sistema Único de Saúde (SUS) quando era presidente de um hospital em Ijuí (RS). Em parceria com outros 13 indiciados, foi acusado de enriquecimento ilícito, prejuízo ao erário, atentado contra os princípios da administração pública, estelionato e formação de quadrilha. O arraial adorou.

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Lider “abafado” do MBL na foto com padrinho político

Na única foto do arraial do MBL que foi divulgada no facebook, Kim e Silva, ops, Holiday, aparecem com Pauderney e um outro integrante do grupelho, Renan Antônio Ferreira dos Santos. O rapaz de 33 anos andava sumido. Apresentado como o terceiro tripé de liderança o MBL, a imagem de Renan não é mais usada em fotos, vídeos em materiais de divulgação desde que ele foi flagrado em áudio que assume o recebimento de dinheiro do PSDB, PMDB, DEM e Solidariedade para organizar manifestações contra Dilma.

Seu nome também foi apontado em problemas na Justiça. Nome, aliás, que ele tentou escamotear. Diretor nacional do MBL, já assinou um artigo na Folha de S.Paulo (sempre ela) como Renan Henrique Ferreira dos Santos. No facebook, era Renan Haas e num pedido de impeachment da presidenta Dilma – entregue a Eduardo Cunha – rubricou como Renan Antônio. O despiste não deu certo. Mas tinha motivo.

Réu em pelo menos 60 processos, Renan é acusado em ações que incluem fechamento fraudulento de empresas, dívidas fiscais, fraude contra credores, calote em pagamento de dívidas e fornecedores, ações de danos morais e trabalhistas, etc. São processos que envolvem R$ 4,9 milhões. Suas empresas e de sua família tem negócios tão variados como os relacionados à venda de lâmpadas, distribuição e logística, esquadrias e materiais metálicos, estamparia, filmagens, panificação, engenharia e viagens e turismo.

Uma dessas empresas, investigada numa reportagem da revista “Carta Capital”, cuida de negócios vultosos em comércio de produtos de siderurgia, mas possui sede numa portinhola em Jundiaí (SP) com correspondência entregue num modesto bazar onde ninguém nunca ouviu falar de Renan e família. É tudo bem estranho.

Mas passa a fazer sentido quando se sabe que Renan é de Vinhedo (SP), cidade dos condomínios fechados que fica na região de Campinas, e onde o MBL nasceu em meio a grupos políticos dominados por investigados em corrupção. Só para se ter uma ideia, foi lá que o ex-prefeito Milton Serafim (PTB) renunciou para não ser cassado depois da sentença de 32 anos de cadeia por receber propina em troca de facilitação de licenças de loteamentos imobiliários. Antes de suas quatro gestões, Vinhedo tinha três condomínios de luxo. Depois de Serafim, quarenta.

Renan, do MBL, já ganhou até homenagem na Câmara de Vinhedo. Recebeu as honrarias do presidente da casa, Rubens Nunes, pai de outro aguerrido militante do MBL, Rubinho Nunes que é o responsável pelos assuntos jurídicos do MBL. Rubinho virou pré-candidato a prefeito de Vinhedo pelo PMDB e é bem próximo de… Aécio Neves. Literalmente. Rubinho fez escolta para o senador que é campeão nas citações da Lava Jato em uma das manifestações golpistas. Eita, mundo pequeno!

Vendedor de pamonha teve prejuízo e ainda pagou R$42 ao MBL

Mas nem toda essa influência, todas essas teias de relações envoltas em poder e tráfico de influências mudou o destino melancólico do arraial do MBL. Por volta das 21hs, uma hora antes do fim da festa, o pipoqueiro já tinha ido embora. O vinho clandestino, acabado. O churrasqueiro nem se deu ao trabalho de reacender a brasa úmida. Pizza? Só se fosse um pedaço daquela que estava pronta, ainda nem na metade, de mozzarella. Dava para reaquecer na beira do forno.

Tristeza maior, no entanto, veio do carrinho de milho e de pamonha. Pelo acordo com os organizadores da festa, de cada produto vendido a R$ 5, R$ 1 iria para o MBL. Uma moça alta, então, passou na carrocinha para recolher a parte que lhe cabia. Colocou no bolso R$ 42. “É… não vendi nem 50 pamonhas”, disse o micro empresário que chegou a levar um ajudante na expectativa de bom faturamento. “Não sei dessa crise aqui, não. Mas se eu tivesse ido na quermesse do meu bairro ia faturar no mínimo umas 200 vendas. Qualquer festa dá isso… E o pior é que pamonha estraga, vai pro lixo”, contou, inconsolável, pouco antes do sanfoneiro Ismar parar de tocar e botar sua sanfona no saco. Um DJ visivelmente entediado, então, colocou um forrozinho na esperança de protelar o derradeiro fim.

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