Distrito de Nazaré sediará Conferência do Comitê Internacional para uma Nova Museologia

Distrito de Nazaré sediará Conferência do Comitê Internacional para uma Nova Museologia

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A escolha foi feita durante a última conferência do MINOM que aconteceu em Cuba na cidade de La Havana em outubro de 2014. Nazaré sediará o primeiro museu ribeirinho do Estado de Rondônia que tem como base os pressupostos da museologia social.

A iniciativa parte da comunidade com apoio da Universidade Federal de Rondônia por meio do Programa de incentivo a Extensão Universitária – PROEXT que é financiado pelo Ministério da Educação.

Nazaré é rica de histórias e de memórias seus moradores seguem suas rotinas diárias acreditando nos preceitos passados por seus pais, respeitando a natureza e tudo que dela provém. As gerações que se formam aqui herdam costumes, tradições e crenças que merecem valorização e respeito, não só por que são ribeirinhas, mas por que nos ajudam a conhecer um pouco mais de nosso país e de nossa cultura e história. Amplamente articulados com a vida da cidade, criam estratégias que os mantém culturalmente vivos e dinâmicos.

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Diante da necessidade de fortalecer as práticas tradicionais e a memória dos povos e comunidades que vivem na “beira” do Baixo Rio Madeira, com destaque para os modos de ser e de viver iniciou-se uma ampla articulação a fim de tornar viável a ideia de construção do museu e de criar meios para discutir como a memória e o patrimônio podem contribuir para a melhoria das condições de vida e com a garantia de direitos.

A proposta que apresentamos para a Conferência em 2016 é baseada na ideia da colaboração onde os membros do MINOM tem a possibilidade de contribuir com a comunidade ribeirinha apostando na troca de ideias, na construção de conhecimento conjunto que resultem na proposição de encaminhamentos úteis e passíveis de aplicação para as demandas mais urgentes.

Os membros inscritos para a conferência serão divididos em Grupos de Trabalho e os debates e encontros terão como principal objetivo o encaminhamento de soluções, sugestões e ideias para a resolução dos problemas que serão identificados previamente pela comunidade. É importante dizer que não temos ilusões a ponto de imaginar que estas soluções ou ideias resolverão os problemas da comunidade, no entanto, sabemos que podem gerar mudanças e possibilidades de inovação em variados seguimentos.

INFRAESTRUTURA

Nazaré possui três pousadas com acomodações simples e acolhedoras com capacidade para cerca de 30 pessoas. Acampamentos podem ser montados nas duas escolas de ensino fundamental e médio com capacidade e estrutura para acomodar aqueles que tiverem interesse em colaborar. Possui um restaurante com o melhor tempero do Madeira, como é conhecido e também dispõe de galpões onde são realizadas as festas comunitárias. Sua região é tranquila e acomoda com segurança cerca de 50 pessoas no máximo.

A Conferência contribuirá para que seus membros exercitem a prática da museologia social em Nazaré e construam com seus moradores conhecimentos que propiciem o enfrentamento das questões sociais locais.

CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DA REGIÃO

O Estado de Rondônia contabiliza uma série de ciclos econômicos que despertaram o interesse e a procura por suas terras (SILVA, 1991). Imigrantes sedentos por mudanças em suas condições de vida, muitas vezes totalmente precária, abandonavam suas famílias em busca de oportunidades de crescimento e mesmo de sobrevivência. O extrativismo do látex denominado ciclo da borracha que se estendeu desde fins do século XIX, durante o primeiro ciclo e mesmo depois da década de 1940 no chamado segundo ciclo da borracha. Em ambos os casos, nordestinos em maioria chegam a Rondônia em busca do “ouro branco” (RIBEIRO, 1995) a fim de minimizar os sofrimentos causados pelas sucessivas secas no Sertão Nordestino.

A construção da Estrada de Ferro Madeira Mamoré, intimamente relacionada com o ciclo econômico da borracha, somada a implantação das linhas telegráficas no interior do Estado coordenada por Marechal Rondon também foram responsáveis por ciclos migratórios expressivos para Rondônia nas primeiras décadas do século XX. A partir da década de 1960, movimentos em busca por metais como a cassiterita e ouro também foram responsáveis por ciclos econômicos migratórios consideráveis. Atualmente os grandes empreendimentos de energia elétrica são os responsáveis por mais um ciclo econômico no Estado de Rondônia.

A chegada dos imigrantes em busca de oportunidades foi seguida de grandes frustrações, uma vez que os ciclos econômicos tiveram início, meio e fim mais próximos que poderiam suspeitar. Além disso, os entraves foram de todas as naturezas, desde a situação difícil vivenciada pelo contato direto com a floresta e com as condições precárias de trabalho proposta pelos empregadores da borracha (FONSECA, 2003). Diante disso, muitos imigrantes não puderam retornar para suas terras quando o declínio do ciclo da borracha começou a castigar seus sonhos. Assim, permaneceram e juntos com os povos originários da floresta, os índios, formaram um “povo novo” (DARCY, 2006).

Segundo Darcy Ribeiro esta miscigenação ocorre no Brasil desde o período colonial e pode ser observada entre índios, negros e brancos. Os índios em contato com os brancos, provenientes da região nordeste majoritariamente, encontraram meios de se reinventar enquanto pessoas, construindo um estilo de vida que optou por uma relação respeitosa com a floresta retirando dela somente o necessário para a sobrevivência.

Os ribeirinhos ou beradeiros, responsáveis pelo “modo de vida dos povos da floresta” são frutos desta miscigenação característica da região amazônica. Todos os conhecimentos produzidos por estes povos são responsáveis pela formação de sua identidade e cultura consolidada por meio de muita resistência, principalmente por parte dos índios em preservar suas culturas originais e por parte dos nordestinos, em maioria, a necessidade de sobreviver na selva (RESENDE, 2013).

Os povos ribeirinhos lidam constantemente com a falta de percepção, por parte dos “novos povoadores” como diria Darcy Ribeiro, das especificidades de seus modos de vida, com a falta de valorização e respeito de sua cultura e identidade cabocla e indígena. Convivem com aqueles que veem na floresta uma área imensa de grandes pastagens ou grandes plantios comerciais (RIBEIRO, 2006).

A pouca sensibilidade para perceber a relação de troca existente entre os povos beradeiros e a mata, faz com que os conflitos de interesses esbarrem quase sempre nesta incompatibilidade de ideias e de perspectivas de vida. Esta visão de mundo que preserva o solo, a terra para desfrutá-la usufruindo daquilo que é necessário a sobrevivência respeitando as dinâmicas e os limites da natureza não é compreendida pelos argumentos desmedidos e mais radicais do progresso e do crescimento da economia.

Ao longo do Baixo e Médio Rio Madeira existem cerca de 23 comunidades, a jusante da Usina Hidrelétrica Santo Antônio, agrupadas em cinco distritos ou regiões: Distrito de Calama: Calama, Nova Esperança e Papagaios; Distrito de Nazaré: Boa Vitória, Nazaré, Santa Catarina e Tira Fogo; Distrito de São Carlos: Bom Serazinho, Brasileira, Cuniã, Curicacas, São Carlos e Terra Caída; Região de Cujubim: Bom Jardim, Cujubim Grande, Cujubinzinho, Itacoã, Mutuns e São Miguel; Região de Porto Velho: Belmont, Boa Fé, Maravilha e Niteroi. As comunidades que compõem estas regiões possuem em média uma população que varia entre 80 moradores, como em Nova Esperança, e 500 moradores como em São Miguel.

Em levantamento feito pelo projeto Ecos do Rio Madeira: participação e desenvolvimento sustentável, no âmbito do Programa Ambiental da Usina Hidrelétrica Santo Antônio, foram identificadas em linhas gerais algumas referências culturais destas comunidades. No entanto, como não era o objetivo fim do projeto, apresenta informações bastante superficiais diante do potencial cultural da região. O registro aponta que em todas as comunidades podem ser encontradas manifestações culturais como festejos, Pontos de Cultura, contadoras de lendas e histórias, poesia, música e muitas outras.

Diante das várias dificuldades impostas diariamente, os povos ribeirinhos seguem construindo estratégias de sobrevivência econômica, social e cultural. De maneira direta são retirados de suas regiões de origem, locais de onde retiram seu sustento e persistem com seus modos de vida. Essa mudança significa para os povos ribeirinhos uma grande possibilidade de perder a identidade que os une, abalando os modos de vida seus saberes e fazeres mais tradicionais.

Assim, empreender iniciativas que aliem o conhecimento produzido nas universidades aos conhecimentos produzidos por estes povos, com o objetivo de fortalecer a identidade cultural dos mesmos, se faz urgente e necessário.

Além de valorizar a importância da cultura material e imaterial dos povos da floresta amazônica, em especial, dos povos ribeirinhos e de compreender a necessidade de projetos voltados para a defesa destes patrimônios, a chegada das Usinas Hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau e a recente devastação causada pela cheia do Rio Madeira nos meses de janeiro, fevereiro e março de 2014, torna o surgimento de iniciativas de memória imprescindíveis para manter a dignidade destes afetados empreendendo ações que promovam o fortalecimento de suas identidades e territorialidades contribuindo diretamente com a diminuição dos problemas sociais mais urgentes enfrentados pelos povos ribeirinhos.

Estas populações extremamente vulneráveis e suscetíveis às variações do Rio foram fortemente abaladas pela cheia. Muitas famílias perderam suas plantações, seus animais e todos os objetos que possuíam, tendo muitas dificuldades em retomar a rotina diária.

As crianças ficaram meses sem escola e contando com as ações esporádicas de grupos de voluntários e também de programas de governo em caráter de emergência para minimizar os abalos sofridos. No entanto, a situação é realmente de calamidade e estas populações irão retomar as suas atividades e necessitam de apoio para se reerguerem e reerguerem suas casas e plantações, assim como reerguerem sua identidade cultural.

O registro dos patrimônios e a consequente valorização das memórias, saberes e fazeres dos grupos constitui-se como uma medida urgente que deve estar aliada as demais necessidades a fim de fortalecê-los para a construção de futuros possíveis.

Texto: MARCELLE PEREIRA

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