O governo brasileiro suspendeu negociações que mantinha com a União Europeia para receber famílias desalojados pela guerra civil na Síria.
João Fellet da BBC Brasil em Washington (EUA)
Pelas tratativas, iniciadas na gestão do ex-ministro da Justiça Eugênio Aragão, o Brasil buscava obter recursos internacionais para alojar cerca de 100 mil pessoas que fugiram do conflito.
Duas pessoas que acompanhavam o diálogo disseram à BBC Brasil que a suspensão foi ordenada pelo novo ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, e comunicada a assessores e diplomatas numa reunião nesta semana.
Segundo eles, a decisão segue uma nova – e mais restritiva – postura do governo quanto à recepção de estrangeiros e à segurança das fronteiras.
Cerca de 5 milhões de sírios deixaram o país desde o início da guerra civil, a maioria rumo a nações vizinhas.
O deslocamento causou a maior crise humanitária mundial dos últimos 70 anos.
Segundo a Organização Internacional para a Migração, ao menos 3.370 refugiados – muitos deles sírios – morreram afogados em 2015 ao tentar chegar à Europa pelo Mediterrâneo.
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‘Braços abertos’
Em março, o então ministro da Justiça Eugênio Aragão visitou o embaixador da Alemanha no Brasil para tratar da recepção de sírios. Na época, disse a jornalistas que o país poderia acolher cerca de 100 mil refugiados nos próximos cinco anos e que a negociação tinha o respaldo da presidente Dilma Rousseff.
Em 2015, a Alemanha recebeu cerca de 1 milhão de refugiados – um terço deles provenientes da Síria.
No ano passado, Dilma disse que o Brasil estava de “braços abertos” para acolher refugiados. Em 2013, o governo passou a facilitar o ingresso de sírios ao permitir que viajassem ao país com um visto especial, mais fácil de obter (a modalidade também é oferecida a haitianos). Desde então, cerca de 2 mil chegaram ao país.
A iniciativa brasileira era considerada exemplar pelo Acnur (agência da ONU para refugiados) e contrastava com a de várias nações que vêm endurecendo suas políticas migratórias em meio a preocupações com a segurança.
Em 2015, o número de refugiados e imigrantes que ingressaram na União Europeia (UE) quase quadriplicou em relação ao ano anterior. O tema tem provocado desentendimentos entre os membros do grupo. Alguns países – como Itália, Grécia e Hungria – se dizem sobrecarregados e cobram nações vizinhas a dividir a responsabilidade pelo acolhimento.
Procurado na quarta-feira, o Ministério da Justiça não se pronunciou sobre o tema até a publicação da reportagem. Na tarde desta sexta, o órgão enviou uma nota à BBC Brasil dizendo que “não houve nenhuma suspensão das discussões com a União Europeia” sobre o realojamento de refugiados.
Segundo o órgão, as negociações “continuam do ponto inicial onde estavam, pois o governo anterior não havia estabelecido nenhum programa ou projeto nesse sentido, nem previsto tampouco qualquer previsão orçamentária”.
O MJ afirmou ainda que o esquema de vistos especiais para sírios afetados pelo conflito não sofrerá revisão e tem duração prevista até setembro de 2017.
A decisão de suspender o diálogo, porém, foi confirmada por duas pessoas envolvidas nas tratativas.
O tema foi abordado em reunião interna do governo nesta semana, quando um assessor de Moraes afirmou que o assunto estava fora de pauta. A decisão também foi expressa em e-mail que circulou entre funcionários que lidam com o tema e ao qual a BBC Brasil teve acesso.