“Lista de Transparência” traz 250 nomes flagrados por trabalho escravo

“Lista de Transparência” traz 250 nomes flagrados por trabalho escravo

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Todos os empregadores foram autuados, entre dezembro de 2014 e dezembro de 2016, em decorrência de caracterização do trabalho escravo contemporâneo

Obtida através da Lei de Acesso à Informação (LAI), a “Lista de Transparência sobre Trabalho Escravo Contemporâneo” traz dados de empregadores autuados em decorrência de caracterização de trabalho análogo ao de escravo e que tiveram decisão administrativa final. A solicitação busca garantir transparência à política de combate a essa violação aos direitos fundamentais enquanto o governo federal não voltar a divulgar a informação, como costumava fazer. Clique aqui para baixar a lista.

Clique para acessar o Lista-de-Transpar%C3%AAncia_-dez2014-2016.pdf

Os dados sobre flagrantes que caracterizaram trabalho escravo tornaram-se o centro de uma polêmica após o Ministério do Trabalho, órgão responsável por sua publicização semestral desde 2003, evitar, na Justiça, a divulgação do cadastro de empregadores flagrados por esse crime, a chamada “lista suja“. O Ministério alega a necessidade de aprimorar as regras a fim de não prejudicar empregadores.
A “Lista de Transparência” foi enviada pelo poder público nesta segunda (13), em resposta à LAI, e abrange o período entre dezembro de 2014 e dezembro de 2016.

Em dezembro de 2014, o ministro Ricardo Lewandowski, então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), atendeu ao pedido de uma associação de incorporadoras imobiliárias e suspendeu a divulgação do cadastro. Em maio de 2016, após o governo federal ter publicado outra portaria com novas regras para a lista, atendendo às demandas do STF, a ministra Cármen Lúcia, atual presidente do STF, levantou a proibição. Mesmo assim, o Ministério do Trabalho, sob o governo de Michel Temer (PMDB), manteve por decisão própria a suspensão.

Por isso, em dezembro do ano passado, o Ministério Público do Trabalho (MPT) entrou com uma ação pedindo a publicação imediata dos empregadores flagrados com esse crime por equipes de fiscalização. Conseguiu uma decisão liminar favorável do juiz da 11ª Vara Trabalhista de Brasília, Rubens Curado Silveira.

O ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, alegando a necessidade de mais estudos e discussões para aprimorar os critérios de entrada e saída do cadastro a fim de resguardar os direitos dos empregadores, recorreu para que essa demanda fosse reconsiderada. Após ver negado seu pedido, entrou com recurso no Tribunal Regional do Trabalho (TRT) do Distrito Federal. O presidente do TRT-DF, desembargador Pedro Luís Vicentin Foltran, manteve a obrigação da publicação da lista.

Por fim, o governo federal recorreu ao Tribunal Superior do Trabalho (TST), obtendo uma decisão favorável das mãos do ministro Ives Gandra Martins Filho. O Ministério Público do Trabalho vai recorrer.
Criada em 2003 pelo governo federal, a “lista suja” é considerada pelas Organização das Nações Unidas (ONU)um dos principais instrumentos de combate ao trabalho escravo no Brasil. É e é apresentada como um exemplo global por garantir transparência à sociedade e um mecanismo para que empresas coloquem em prática políticas de responsabilidade social e possam gerenciar riscos de seus negócios.

Considerando que a “lista suja” nada mais é do que uma relação dos casos em que o poder público caracterizou trabalho análogo ao de escravo e nos quais os empregadores tiveram direito à defesa administrativa em primeira e segunda instâncias; e que a sociedade tem o direito de conhecer os atos do poder público, a Repórter Brasil e o Instituto do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, têm solicitado, periodicamente, desde o início de 2015, com base nos artigos 10, 11 e 12 da Lei de Acesso à Informação (12.527/2012) e no artigo 5º da Constituição Federal de 1988, o seguinte:

“A relação com os empregadores que foram autuados em decorrência de caracterização de trabalho análogo ao de escravo e que tiveram decisão administrativa transitada em julgado, confirmando a autuação, constando: nome do empregador (pessoa física ou jurídica), nome do estabelecimento onde foi realizada a autuação, endereço do estabelecimento onde foi caracterizada a situação, CPF ou CNPJ do empregador envolvido, número de trabalhadores envolvidos e data da fiscalização em que ocorreu a autuação, incluindo, ainda, a Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) dos empregadores envolvidos (quando esta estiver disponível nos relatórios de fiscalização em questão).”

Foram quatro pedidos, um aproximadamente a cada seis meses, periodicidade da “lista suja” original. O governo federal o envia o documento já com a logomarca do ministério e uma explicação sobre o conteúdo da lista. O que está sendo publicado neste post é o resultado do quinto pedido e inclui o período entre dezembro de 2014 e dezembro de 2016, pois o período de permanência na “lista suja” é de, no mínimo, dois anos.

A nova portaria que regulamenta a “lista suja”, publicada em 11 de maio de 2016, que nunca foi colocada em prática e pode nunca vir a ser, afirma que, para ser incluído no cadastro, o empregador deve ter recebido o auto de infração número 444. Esse auto passou a ser lavrado obrigatoriamente por fiscais do trabalho para todos os flagrados por trabalho escravo e funciona como uma espécie de “marcador” para que o empregador rastreie mais facilmente o trâmite de seu processo administrativo no âmbito do Ministério do Trabalho.

O cadastro, portanto, se adotasse o critério da portaria de maio de 2016, teria os nomes que receberam o 444. Por isso, também pedimos via Lei de Acesso à Informação que fosse incluída o seguinte pedido: “e se, no momento da fiscalização, foi lavrado auto de infração capitulado no artigo 444 da CLT em razão da constatação de trabalho análogo ao de escravo”.

Como o Ministério do Trabalho recorreu judicialmente sobre a demanda do MPT que o obrigava a divulgar a “lista suja”, o que ocorreria com os critérios dessa nova portaria, este quinto pedido da “Lista de Transparência sobre Trabalho Escravo Contemporâneo” incorpora dois cenários: a) o conteúdo aproximado do que seria “lista suja” se fossem vigentes os critérios que valeram entre novembro de 2003 e dezembro de 2014; e b) o conteúdo aproximado do que seria “lista suja” se fossem vigentes os critérios da portaria de maio de 2016 – que nunca foi e pode nunca vir a ser materializada por conta da ação do Ministério do Trabalho. A diferença entre ambos os cenários está na última coluna da tabela, que aponta quais empregadores receberam o auto de infração 444.

Considerando que esse modelo de lista via LAI, que desenvolvemos aqui, foi incorporado por grandes bancos públicos e privados e empresas nacionais e multinacionais, e que há grandes empresas que continuam adotando os critérios da última “lista suja” oficial divulgada, que perdurou por 11 anos ininterruptamente, resolvemos publicar a lista completa com a coluna extra.

A novela da “lista suja”

Em meio ao plantão do recesso de final de ano de 2014, o STF garantiu uma liminar à Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc) suspendendo a “lista suja” do trabalho escravo. A entidade questionou a constitucionalidade do cadastro de empregadores, afirmando, entre outros argumentos, que a inclusão na lista suja era realizada sem o direito de defesa dos autuados.

Após a publicação de uma nova portaria interministerial (número 4, de 11 de maio de 2016), com mudanças em critérios de entrada e saída do cadastro, a ministra Cármen Lúcia levantou a proibição cinco dias depois.

“Não se há de desconhecer que os pontos questionados na peça inicial da ação foram sanados na Portaria superveniente e revogadora daquela outra pelo que também por isso não se sustentaria eventual argumento quanto ao indevido seguimento da presente ação”, avaliou a ministra, hoje presidente do STF.

Desde então, o ministério do Trabalho poderia divulgar uma nova atualização da lista, mas não o fez.

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No dia 19 de dezembro de 2016, a Justiça do Trabalho ordenou, em decisão liminar, que o ministro e o governo federal voltassem a publicar, em até 30 dias, o cadastro, atendendo a uma ação civil pública movida pelo Ministério Público do Trabalho, que denunciou a omissão do poder público ao esconder tais informações. O tema ganhou a mídia nacional e internacional.
“A obrigação do Ministério do Trabalho em divulgar os nomes dos empregadores que exploram o trabalho escravo decorre de compromissos assumidos pela República Federativa do Brasil em âmbito internacional, os quais impedem retrocessos nos passos já trilhados em prol da erradicação da escravidão contemporânea”, afirma o procurador do Trabalho Tiago Cavalcanti, que está à frente da Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo do Ministério Público do Trabalho.

Em sua decisão, o juiz Rubens Curado Silveira, 11ª Vara do Trabalho de Brasília, afirmou que “há mais de uma década, esse cadastro vem se destacando entre as medidas relevantes no enfrentamento do tema, em perfeito alinhamento aos princípios constitucionais da publicidade e da transparência”.

O Ministério do Trabalho solicitou mais prazo ao juiz a fim de apresentar sua defesa, o que foi concedido. Mas, passado o tempo, o argumentos continuaram não sendo aceitos para a concessão da liminar. Insatisfeito, o governo levou o pleito ao Tribunal Regional do Trabalho, quando recebeu nova negativa por parte do presidente da corte, o desembargador Luís Vicentin Foltran.

A inclusão de um nome no cadastro constituiu a etapa final de todo um procedimento fixado por normas específicas editadas, repita-se, pelo próprio Ministério do Trabalho, órgão da Administração Federal responsável e estruturado para apurar as denúncias de irregularidades e fiscalizar o trabalho em todo o território nacional”, afirmou. “Impedir a divulgação do cadastro, como registrado na decisão liminar, ‘acaba por esvaziar, dia a dia, a política de Estado de combate ao trabalho análogo ao de escravo no Brasil’.”

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