No 247, por Lelê Teles
o racismo, consciente ou inconsciente, deve se combatido.
até que essa abominação, criada pelos machos brancos com a mãozinha sempre amiga da academia e de cientistas sociais inescrupulosos, desapareça de uma vez por todas.
o racismo é uma ideologia!
Barroso, ele mesmo um macho branco acadêmico, evidenciou que os vícios apreendidos nos bancos das universidades – e na sala de casa – continuam ali, latentes, latejando, pedindo pra sair.
por isso foi tão difícil para ele elogiar um sujeito negro – um igual na ordem hierárquica em que se encontram – sem antes fazer uma ressalva:
este não é igual a mim, mas por se aproximar tanto, também não é igual aos outros, seus “irmãos de cor”, este é um “negro de primeira linha…”
“(…) vindo de um doutorado em Paris”.
a referência à Paris não poderia faltar.
é como se aquele quase homem tivesse se humanizado ao voltar da Europa.
ou seja, se Barbosa tivesse doutorado na Université Cheich Anta Diop, no Senegal, talvez continuasse um negro de segunda linha.
doutor, mas de segunda linha.
mas Barbosa morou na Escandinávia, fala alemão e estudou na França.
civilizou-se.
é o que se depreende do discurso “elogioso” de Barroso.
para ele, Barbosa rompeu o “cerco da subalternidade”, mas os seus irmãos de cor seguirão reificados, incivilizados e incivilizáveis.
submetido a outros climas e outras paisagens, talvez o nosso Joaquim, depois de treinar o cérebro para pensar em outra língua, tenha assimilado a cultura do colonizador.
depreende-se essa, também, da frase infeliz de Barroso.
é que o ministro sabe que, na academia francesa, Barbosa teve que usar muitas aspas em suas produções acadêmicas para legitimar o que pensava.
e estes intertextos estavam repletos de referências a intelectuais europeus: nome do autor, nome da obra, número da página, referência à editora.
é assim que a academia dissemina o eurocentrismo e adestra o intelectual das estranjas para adequar o seu pensamento à construção mental dos autores europeus.
o intelectual não europeu é como um pastor, ou um padre no púlpito, tudo o que ele diz tem que ser legitimado pelo que está escrito no Canon, na Bíblia, nos clássicos.
na pregação exegética, a referência a Jeremias, Mateus, Lucas, sempre seguida do número do capítulo e do versículo bíblico, é a fórmula que a academia mimetizou.
tem uma construção mental aí que precisa ser desconstruída, porque ela representa uma fuleiragem.
como naqueles filmes do cinema novo onde os autores brancos falavam dos quilombos como um lugar de fuga.
só um branco pensaria assim, é o lugar de fala dele falando.
o quilombo, até etimologicamente, é uma ambiente de liberdade e vida comunitária, e não um maloca de quem foge do trabalho.
ora essa.
negro de primeira linha, um ponto fora da curva, para voltar a uma expressão de Barroso, que é metido a frasista.
Bolsonaro quis pesar os negros quilombolas na balança de pesar gados, em arrobas.
Barroso não foi muito distante.
e o seu pedido de desculpas foi um tanto covarde.
ele tentou se justificar, alegando que faltou uma palavra no início da frase, tentando fazer com que o seu racismo fosse visto apenas como um gafe.
seria mais corajoso se ele nem tivesse chorado, mas dito com hombridade: fui racista, sim, fui traído pelo meu inconsciente, policio-me sempre, mas a cultura sempre fala mais alto.
sou filho do patriarcado, um privilegiado sem máculas em um país que nomeia sem pudor quem são os descendentes dos que foram escravizados, mas nunca que são os descendentes dos escravizadores.
sou fruto de uma aberração ideológica abominável.
era isso o que eu esperava dele.
e isso ele não disse.
portanto, não está perdoado.
palavra da salvação.