A quem interessa financiar as campanhas eleitorais?!

A quem interessa financiar as campanhas eleitorais?!

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No 247, por GLEISI HOFFMANN – Uma das decisões mais impactantes que tivemos em relação ao sistema político eleitoral foi a proibição de doações de pessoas jurídicas em 2015 por decisão do STF, que deslocou o debate político sobre o tema do plano teórico para o discurso pragmático. Afinal, como fazer campanha eleitoral sem a principal fonte de recursos que financiava as candidaturas até então?

O fato é que esse sistema, apesar de proporcionar recursos, nunca ofereceu igualdade de oportunidades a todos os candidatos. Pesquisa feita pelo IDEA – Instituto Internacional para Democracia e Assistência Eleitoral, uma instituição intergovernamental da qual o Brasil faz parte desde 2016, constatou que a grande liberalidade de alocação e a disponibilidade quase ilimitada de recursos que são aplicados no processo eleitoral levaram a situação de desigualdade econômica e social para dentro dos sistemas políticos, gerando também uma desigualdade política e, por consequência, uma exclusão política.

O valor da campanha teria virado uma régua de corte entre eleitos e não-eleitos, jogando as candidaturas mais modestas para a margem do sistema eleitoral e produzindo uma desigualdade política entre a elite econômica e os demais cidadãos que atinge negativamente o princípio democrático. O conceito de desigualdade política e os efeitos antidemocráticos no sistema político, em grande medida, foi o que orientou a discussão e a decisão do STF sobre doações empresariais na ADI 4650.

O fato é que a atividade política encareceu e isso virou um problema complexo que extrapola os interesses dos diretamente envolvidos na disputa partidária e eleitoral. Não se trata mais de algo restrito à simples disputa entre forças políticas, mas de um fator que tem desestimulado ou mesmo excluído as pessoas do processo político e eleitoral. Quanto mais recursos envolvidos, mais difícil para o cidadão comum ser percebido pelos políticos e pelos partidos no processo.

A limitação das despesas do processo eleitoral é objeto de muitas iniciativas legislativas, mas tem sido difícil obter resultados concretos. Havendo recursos disponíveis, eles serão utilizados na disputa eleitoral de alguma forma.

O partido ou candidato que não consegue atingir um mínimo de arrecadação está sujeito a ser excluído do jogo eleitoral antes mesmo dele começar. Esse ciclo de “elitização” econômica da política tem repercussões diretas e indiretas na qualidade da representação, fomentando um afastamento crescente do cidadão do processo político e ensejando práticas ilegais. A crise de representação do Estado moderno pode não ter nascido dessa situação, mas certamente é agravada por ela.

Nesse contexto, o Estado é o único ator conhecido capaz de rivalizar com o poder econômico e financeiro das empresas, podendo, não só conter efetivamente a atuação empresarial no processo eleitoral, mas também suprir o espaço que esses atores econômicos ocupam. O orçamento público não foi chamado ao jogo apenas para compensar o declínio das contribuições individuais dos partidos de massa; ele também se tornou o principal instrumento de oposição ao poder econômico no financiamento das eleições e dos partidos.

O Brasil não vai criar uma aberração ou cometer qualquer pecado com a aprovação de um fundo público para custear as campanhas eleitorais. Ao contrário, o país caminhará no mesmo sentido das democracias consideradas consolidadas que reduziram progressivamente o peso dos recursos empresarias e aumentaram significativamente a parcela de recursos públicos na disputa eleitoral.

Nesse sentido, a criação do Fundo Especial de Financiamento da Democracia no âmbito da Reforma Política de 2017 pode promover uma mudança brutal no comportamento dos políticos nos próximos anos já que, em momento algum da nossa história democrática, esse cenário de financiamento político foi vivenciado. Essa mudança estrutural na forma de financiar as eleições pode acarretar uma profunda reforma no nosso sistema político.

Quanto ao montante do fundo, R$ 3,5 bilhões que está sendo proposto, é muito alto, e deveria ser reduzido, principalmente neste momento de crise econômica e financeira do País. Mas é importante esclarecer que ele corresponderá a aproximadamente 56% (em termos reais) do valor gasto anunciado pelo TSE nas eleições de 2014. Para se ter uma ideia do efeito concreto, a campanha das eleições 2014 apresentou uma relação custo por eleitor de R$ 35,70 (valor nominal) – um aumento de 516% em relação ao valor de R$ 6,92 por eleitor de 2002.

O financiamento apenas por pessoa física também não corrigiria o problema de desigualdade na obtenção de recursos, pois notadamente privilegiariam aqueles que têm acesso às doações individuais da elite econômica.

Em linhas gerais, o financiamento público de campanha é uma necessidade para as sociedades que desejam realizar eleições justas e competitivas sem a presença nociva do poder econômico no processo eleitoral. Além de suprir os custos mínimos de uma atividade tão importante para os destinos do Estado, ele pode gerar externalidades positivas para o processo, como a maior transparência do fluxo dos recursos, a simplificação da fiscalização e a criação de barreiras à entrada de recursos ilícitos. É o que interessa ao povo!

Isso não quer dizer que o financiamento público é imune a problemas, pelo contrário. Ele também tem seus pecados, como a possibilidade de abuso de poder político, corrupção eleitoral e cartelização de partidos ou políticos nas regras de distribuição dos recursos. Mas esses riscos podem ser tratados e minimizados na regulamentação da matéria.

Por isso, tão importante quanto a criação do fundo, são as regras de distribuição do FDD entre os partidos e as candidaturas. São essas regras que podem ajustar a qualidade do financiamento público no Brasil e são essas regras que podem definir a viabilidade ou exclusão das candidaturas em 2018.

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