Índio, negro e europeu: Saci representa os três povos que formaram o brasileiro

Índio, negro e europeu: Saci representa os três povos que formaram o brasileiro

saci

Em entrevista, o sócio fundador da Sosaci, Mouzar Benedito fala sobre a figura mais conhecidas do folclore nacional

Camila Salmazio

Brasil de Fato

Moleque levado, negrinho de uma perna só, que usa gorro vermelho. Conhecido por suas travessuras, como dar nó na crina do cavalo, salgar a comida e assustar os bichos com assobio. Fuma cachimbo e faz redemoinho. O saci-pererê é uma das figuras mais emblemáticas do folclore brasileiro e tem seu dia comemorado em 31 de outubro.

Para falar sobre as histórias desse menino travesso e a importância desse mito para a cultura brasileira, a Radioagência Brasil de Fato conversou com o colunista Mouzar Benedito, que também é jornalista, geógrafo, contador de causos e sócio-fundador da Socidade dos Observadores do Saci (Sosaci).

Confira a entrevista:

Brasil de Fato: O saci é um dos mitos mais conhecidos em todas as regiões do Brasil né?

Mouzar: Sim, ele surgiu na Mata Atlântica, no Sul do Brasil, ali na fronteira com Argentina e Paraguai, mas se espalhou pelo Brasil todo. Em qualquer lugar que a gente for, eu já estive em Roraima fazendo bate-papo, Santa Catarina, Goiás, Minas Gerais, Bahia, e não precisa explicar quem é o Saci. Ele é o nosso personagem mais conhecido, mais popular mesmo.

Existem várias festas que celebram o Dia do Saci, mas uma bem emblemática, considerada uma das primeiras, é a que acontece em São Luis do Paraitinga (SP) e você, inclusive, é um dos fundadores desta festa. Conta um pouco como surgiu essa ideia e qual foi a motivação de vocês.

Fazia muito tempo que estávamos incomodados com o Halloween, que representa uma espécie de imperialismo cultural, que é uma coisa imposta de fora para dentro e eu acredito que não tem nenhuma ingenuidade nisso, é uma política tradicional dos Estados Unidos impor hábitos culturais deles para outros povos. Os portugueses e espanhóis fizeram muito isso aqui na América Latina, destruia a cultura indígena para impor a cultura deles – o Deus deles era o Deus poderoso contra os mitos indígenas. Então, até na zona rural tinha escola fazendo festa de Halloween sem ninguém saber porque. Aí, nós pensamos em fundar uma instituição de estudo e defesa da cultura brasileira com um personagem bem brasileiro, e a gente escolheu o Saci justamente por isso. Ele era um índio na origem, mas os colonizadores começaram a falar que ele era um demoniozinho, que ele cheirava enxofre, tinha chifre e praticava o mal. Isso para amedrontrar as pessoas, dizer que ele era um demônio e não um Deus menor da cultura guarani. Depois, transformaram ele em negro, porque era época de escravidão, lá por volta de 1800, para criar mais preconceito contra ele. Mas as negras gostaram porque, por exemplo, uma escrava que cozinhava e errava na mão era castigada severamente, então quando elas viam a sinhá reclamando da comida, elas justificavam dizendo que tinha sido o Saci que jogou sal. Quando tinha uma rebelião na senzala, a pessoa que iniciou podia ser pega, morta ou marcada à ferro, então a culpa era sempre do Saci. Foi uma solução, um benefício pros negros, na verdade.

Aí depois já ganhou o gorrinho mágico que faz parte da cultura da Península Ibérica, vários mitos de lá tem esse gorrinho mágico. Além disso, na Revolução Francesa, por exemplo, os republicanos usavam um gorrinho semelhante a esse, então você vê que é um símbolo de libertação. Então, o Saci, ele junta no mesmo personagem o índio, o negro e o europeu, os três povos que formaram o brasileiro. Além disso, ele é negro, que é vítima de preconceito, é perneta, vítima de preconceito também, e não usa roupa, é pobre. A única roupa que ele usa é o gorrinho, só aparece na televisão de calção porque na TV não pode ir pelado. A gente achou que ia demorar pra pegar, mas não. Logo de cara foi uma aceitação muito grande, foi crescendo, então agora nós vamos fazer a 15ª festa em São Luis.

Edição: Anelize Moreira

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