Eduardo Bolsonaro, o filho do presidente eleito, anda atuando mais no exterior do que o chanceler designado. Acaba de voltar do Chile, com elogios ao que considera a melhor economia da América Latina.
Tem razão. Só erra ao atribuir o sucesso chileno à ditadura do general Augusto Pinochet. Quem fez do Chile o que é foi a democracia.
Nem preciso dizer que ditaduras são sempre nefastas, façam o que fizerem, tenham algum sucesso econômico ou sejam um miserável fracasso como é o caso da Venezuela.
Não vale, pois, dizer que Pinochet matou, torturou, exilou, fez desaparecer milhares de pessoas, mas arrumou a economia. Bobagem.
Aos números comparativos que importam:
1 – Crescimento econômico – De 1973, ano do golpe que entronizou Pinochet, a 1988, ano do plebiscito que vetou sua continuidade, o Chile teve um crescimento interessante, de 54,7%.
Mas, na democracia, a partir de 1990 e por um período equivalente, o crescimento foi mais do que o dobro (exatos 110%).
Consequência inevitável: a renda per capita chilena em 1990, na volta à democracia, era igual à do Brasil. Quinze anos, passou a ser 60% maior.
Logo, democracia, 1 x Pinochet, 0.
2 – Desemprego – Depois de um pico de 25% da população economicamente ativa, o desemprego na ditadura girou em torno de 18%, o triplo do que ocorria nos anos 1960.
O desemprego só voltou a patamares mais civilizados com a democracia. Em outubro deste ano, estava em 7,1%, menos da metade, portanto, dos trágicos índices do período Pinochet.
Logo, democracia, 2 x Pinochet, 0
3 – Pobreza e desigualdade – Nos anos finais da ditadura, a pobreza afetava quase a metade da população chilena. Com a democracia e o investimento público redirecionado para a área social, foi se reduzindo paulatinamente.
Em 2017, afetava 8,6% da população, um dos registros mais baixos da América Latina.
Já a desigualdade continua a ser uma chaga aberta na sociedade chilena, mas, de todo modo, se reduziu com a democracia. Quando medida pelo coeficiente de Gini (quanto mais perto de 1, maior a desigualdade), passou de 0,46 ao se instalar a ditadura, em 1973, para 0,57 quando a democracia chegou, em 1990.
Só em 2015, voltou aos níveis vigentes antes do golpe (estava então em 0,48).
Logo, democracia, 3 x Pinochet, 0.
4 – Política – Se a ditadura tivesse sido de fato o sucesso como acreditam os Bolsonaros, Pinochet não teria perdido o plebiscito de 1988 sobre sua continuidade ou não. Tinha tudo na mão: absoluto controle dos meios de comunicação, partidos proscritos, opositores perseguidos, mortos, presos ou exilados.
Não obstante, 54,71% dos chilenos preferiram vetar o ditador. No ano seguinte, na eleição presidencial determinada pelo resultado do plebiscito, nova derrota do pinochetismo: ganhou o oposicionista Patricio Aylwin.
Mais: nas três eleições presidenciais seguintes, três novas vitórias dos oposicionistas, com Eduardo Frei (democrata cristão), Ricardo Lagos e Michelle Bachelet (socialistas).
Foi preciso esperar até 2010 para que assumisse um presidente conservador, no caso Sebastián Piñera. Com um detalhe relevante: ele votara pelo não à permanência de Pinochet no plebiscito de 88.
Só neste quesito, portanto, dá democracia, 5 x Pinochet, 0.
5 – Por fim, reforma da Previdência chilena, a que dá água na boca dos economistas liberais de Bolsonaro. De fato, a reforma feita pela ditadura ajudou a sanear as contas públicas, mas em contrapartida, arruinou as contas privadas (dos aposentados).
O jornal paranaense Gazeta do Povo citou há pouco estudo da Fundación Sol de 2015 que mostra que quase 91% da população recebia valores inferiores a 150 mil pesos mensais (equivalentes hoje a R$ 851) em um país em que o salário mínimo chegava então a 276 mil pesos (R$ 1.565).
É tão falho o modelo admirado pelos Bolsonaros que até um governo conservador como o de Piñera está propondo modificá-lo, por meio de projeto em tramitação no Congresso.
Posto de outra forma: a tentação da equipe de Bolsonaro é copiar um modelo que está sendo alterado por um motivo bem simples, apontado pela consultoria Eurasia, que não parece fazer parte de alguma conspiração do marxismo cultural: “Amplo consenso sobre a necessidade de incrementar as pensões baixas em meio ao descontentamento do público sugere que a reforma será aprovada” (relatório divulgada nesta segunda-feira, 17).
O que o governo está propondo é criar o que chama de “pilar de solidariedade” para aumentar os fundos para os mais pobres e mudar o sistema de contribuições individuais gerenciadas por entidades privadas. Os empregadores teriam que contribuir com uma nova taxa (de 4% do salário de seus funcionários), além dos 10% já pagos atualmente. O custo da reforma, calcula a Eurasia, ficará em cerca de US$ 3,5 bilhões (R$ 13,6 bilhões).
Tudo somado, nem a reforma de Pinochet é modelo a ser admirado.
Clóvis Rossi
Repórter especial, membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.