Mães encarceradas: apesar de contrariar STF, TJSP negou 85% dos pedidos de prisão domiciliar

Mães encarceradas: apesar de contrariar STF, TJSP negou 85% dos pedidos de prisão domiciliar

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Em troca de quê? A serviço de quê(m) interessam referidas prisões? Onde está o compromisso do Poder Judiciário? Com a Constituição Federal? Com a Justiça?

Foto: ITTC.

Por Christopher Abreu Ravagnani, Bruno Humberto Neves e Josielly Lima Ito

Os estabelecimentos prisionais, sejam eles provisórios ou para o cumprimento definitivo da pena, não são ambientes adequados para seres humanos, mormente para mães, pois, nestes locais, essas mulheres possuem seus direitos e postulados constitucionais quase que invariavelmente violados. Com a finalidade de resguardar os direitos das mulheres presas cautelarmente, a Defensoria Pública da União impetrou com o Habeas Corpus coletivo nº 143.641, perante o Supremo Tribunal Federal – STF, para fins de reparar a mencionada violação.

No dia 20 de fevereiro de 2018, o STF decidiu, por maioria de votos, conceder o Habeas Corpus coletivo nº 143.641 para determinar a substituição da prisão preventiva por domiciliar de mulheres presas, em todo território nacional, que sejam gestantes ou mães de crianças de até 12 anos de idade ou de pessoas com deficiência.

Apesar da concessão da ordem, o STF possibilitou, na decisão, a manutenção das mães presas quando o crime imputado seja cometido mediante violência ou grave ameaça contra seus descendentes ou, ainda, em situações excepcionalíssimas fundamentadas pelos(as) magistrados(as).

Neste sentido, a fim de verificar a efetividade da referida decisão, empregou-se estudo empírico no Tribunal de Justiça de São Paulo – TJSP, utilizando-se como recorte o período de julho a dezembro de 2018, sendo que a pesquisa apresentou 168 Habeas Corpus que tinham por objeto a concessão de prisão domiciliar às presas gestantes ou mães de crianças de até 12 anos incompletos, conforme os requisitos do Habeas Corpuscoletivo número 143.641.

 

O gráfico 01 expõe os Habeas Corpusque foram deferidos e indeferidos em favor das presas, no período de julho a dezembro de 2018, em razão do Habeas Corpus coletivo nº 143.641 do STF, sendo que 26 foram deferidos e 142 foram indeferidos.

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Gráfico 01 – Percentual de julgados dos meses de julho a dezembro de 2018 tramitados no TJSP, tendo como objeto a concessão da prisão domiciliar nos termos do Habeas Corpus nº 143.641 do STF. Fonte: Gráfico elaborado pelos autores conforme dados do site do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (2018).

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Os Habeas Corpus que foram negados tiveram como fundamentações: o cometimento de crime violento ou com grave ameaça contra terceiro (53) ou seu descendente (01), a não comprovação da imprescindibilidade da presença materna (50), resguardo da ordem pública (16), o fato da presa ser reincidente específica (09), casos em que a maternidade não pode ser lançada para justificar a concessão de prisão domiciliar (02), a não comprovação de que o estabelecimento prisional não possui estrutura e tratamento para a presa gestante (01), a não concessão para a garantia da aplicação da lei penal e conveniência da instrução criminal (02), a desídia da paciente em não comparecer aos atos processuais e não ter informado corretamente o endereço (01), o episódio que ensejou o crime ter sido cometido dentro da residência da presa e na presença do filhos, ocasionando assim um risco para os filhos a presença materna (05) e o fato do(a) filho(a) não estar desamparado(a) após a prisão da mãe (01).

 

Neste diapasão, após os dados apresentados, restou demonstrado que os magistrados paulistas demonstram relutância em cumprir a ordem, pois apenas 15% (quinze por cento) dos Habeas Corpus impetrados foram deferidos.

 

Ao todo foram negados 85% (oitenta e cinco por cento) dos pedidos de mulheres que se encaixam perfeitamente nos requisitos para a concessão da prisão domiciliar. Assim, ao tutelar os direitos dessas mulheres submetidas ilegalmente à prisão e ao mesmo tempo abarcar no Habeas Corpus coletivo nº 143.641 a hipótese de manutenção da prisão, mediante “situações excepcionais”, na verdade, o STF tornou inoperante sua decisão.

 

Os fundamentos das decisões denegatórias são abstratos, vazios e retóricos, posto que os(as) magistrados(as) utilizam seus juízos de valores e o clamor social para manter a prisão, aniquilando os direitos e garantias fundamentais das mães detentas.

Muitas pessoas ainda não se atentaram, preconiza Semer [1], que a supressão indevida da liberdade de um réu é sempre um esvaziamento da liberdade de todos – muitos até aplaudem ao ver seus inimigos nas masmorras; outros tantos não compreenderam que quando os fins – o “combate” à corrupção – justificam meios, todos serão ilegítimos.

 

Num olhar crítico da atual conjectura brasileira, nota-se a existência de um Estado de Exceção Permanente, no qual as regras processuais e o compromisso constitucional de zelar pelo Estado Democrático de Direito foram postos em segundo plano. Um panpenalismo assume o papel de ator principal na política pública brasileira e seus efeitos se tornam visíveis no aumento exacerbado da população carcerária, ao ponto que direitos fundamentais vivem momento de relativização.

 

Nesse sentido, só é possível uma sociedade ser equilibrada se nela houver um Poder que esteja distante das tensões políticas e ideológicas, pois a voz das ruas e do povo não podem ser elementos constitutivos de uma decisão judicial. A cada vez que um direito fundamental é violado ou relativizado, caminha-se um passo rumo ao autoritarismo. Com o desaparecimento dos limites ao exercício do poder, adverte Casara [2], criam-se as condições pós-democráticas que se revelam adequadas a uma sociedade desumanizada e desguarnecida de princípios.

A questão a ser indagada é: em troca de quê? A serviço de quê(m) interessa referida medida? Em nome dos superiores “interesses do povo”? Onde (ou para quem) está o compromisso do Poder Judiciário? Com o cumprimento da Constituição Federal? Com a Justiça?

 

Até quando vamos assistir ao vilipêndio dos direitos e garantias fundamentais perpetrados diurturnamente e achar que isso é comum? Culpa do estagiário, culpa do assessor, culpa do delegado, culpa do promotor, culpa do juiz, culpa do defensor, culpa do ministro, culpa do desembargador (…) e de quem é o dolo pela relativização de um direito fundamental? De quem é o dolo por estarmos ferrando (dia e noite) pobres e negros nas masmorras? Foram os grilhões substituídos por algemas? Foram as provas substituídas por convicção? [3].

 

 

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