Símbolo do Carnaval, trio elétrico chega aos 70 espalhado pelo país

Símbolo do Carnaval, trio elétrico chega aos 70 espalhado pelo país

Criado por Dodô e Osmar Macedo, inovação se consagrou com surgimento da axé music nos anos 1980 em Salvador.

Na Folha

Uma gambiarra ligava os dois instrumentos a um gerador de dois quilowatts de um Ford T 1929. Em cima da carroceria, Adolfo do Nascimento, o Dodô, empunhava um violão. Osmar Macedo dedilhava um cavaquinho. A percussão foi no chão, acompanhando o cortejo a pé.

O desfile aconteceu no Carnaval de 1951. Mas foi a data redonda de 1950 que ganhou a história como ano da criação do trio elétrico, invenção que se tornaria uma das maiores revoluções no modo de se fazer Carnaval do Brasil.

Depois de 70 anos, o trio adquiriu novos formatos e amplificou a potência. Também ganhou status de protagonista e é presença certa nas festas –das grandes metrópoles até pacatas cidades do interior.

A história começou por acaso nos anos 1940, quando o eletrotécnico Dodô fez os primeiros experimentos para amplificar o violão. Por meio de um sistema de bobinas, passou a captar e amplificar o som na boca do instrumento. Mas a microfonia era um entrave à qualidade sonora.

O passo seguinte foi retirar o corpo do instrumento, mantendo apenas o braço, e ligar o sistema de amplificação diretamente ao violão e ao cavaquinho. Estava criado o pau elétrico, instrumento considerado um dos precursores da guitarra baiana.

Com os instrumentos eletrificados, Dodô e Osmar formaram o conjunto Dupla Elétrica. Até que, após um desfile de sucesso do grupo de frevo Vassourinhas em 1951, os dois músicos resolveram testar o sistema de amplificação de som e desfilaram em cima do carro, apelidado Fobica, pelas ruas do centro de Salvador.

Acompanhado por uma multidão, o desfile foi um sucesso. No ano seguinte, a dupla incorporou ao grupo o músico Themístocles Aragão, que tocava triolim. Estava criado o Trio Elétrico.

Nos carnavais seguintes, o trio trocou a Fobica para crescer. Em 1952, Dodô e Osmar desfilaram em camionete 

Chrysler Fargo e levaram os percussionistas na carroceria. No ano seguinte, adaptaram um caminhão maior e desfilaram com o patrocínio da marca de refrigerantes da Bahia.

Com o sucesso, outros conjuntos musicais copiaram a iniciativa: “Quando as pessoas viam os outros caminhões na rua, já diziam ‘lá vem o outro trio elétrico”, conta o guitarrista e compositor Armandinho Macedo, filho de Osmar.

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No imaginário do baiano, trio elétrico passou a ser sinônimo de qualquer veículo carnavalesco com o som de seus instrumentos amplificado.

A voz foi incorporada aos trios elétricos definitivamente em 1975. Foi quando Moraes Moreira, já fora dos Novos Baianos, assumiu os microfones e cantou a música “Pombo Correio” no trio de Dodô, Osmar e Armandinho.

Depois, entraram instrumentos como baixo, bateria e teclado, já sob influência das bandas de rock. E os caminhões carnavalescos começaram a atingir outro patamar de qualidade.

Esse avanço aconteceu graças ao talento e persistência de personagens como o como o construtor de trios Orlando Tapajós. Foi ele que em 1972 construiu o trio Tapajós, um dos primeiros depois de Dodô e

Osmar, e a icônica Caetanave, criada para homenagear Caetano Veloso.

Os trios avançaram, mas o frevo ainda era o principal ritmo carnavalesco em Salvador. Até que, em 1985, uma inovação fez com que trio elétrico ganhasse ainda mais força.

“A gente tinha duas invenções maravilhosas: o trio elétrico e a guitarra baiana. Faltava uma música genuinamente baiana e foi aí que eu criei a axé music”, afirma o cantor e compositor Luiz Caldas.

Ele subiu em um trio elétrico pela primeira aos 16 anos na cidade de Ibicaraí, sul da Bahia: “Fiquei maravilhado. Eu tocava nos bailes para 400, 800 pessoas. Quando eu subo no trio eu vejo 40 mil pessoas pulando”, lembra. 

Luiz Caldas, cantor e compositor que criou a axé music – Raul Spinassé/Folhapress

Com a explosão do axé nos anos 1990, os trios elétricos se profissionalizaram e se tornaram palco de inovações. Uma das pioneiras foi a cantora Daniela Mercury, primeira a levar música eletrônica e até orquestra para cima do trio elétrico. Em 2000, ela mexeu na estrutura do trio criando mais um patamar, acima dos músicos, que servisse como palco para bailarinos e bailarinas.

Em meados dos anos 2000, trios como o Dragão da Folia e o Maderada disputavam qual era o maior e mais potente. A partir dos anos 2010, contudo, o movimento foi contrário: os trios começaram a diminuir para levar os artistas para mais perto do público.

Dentre os novos trios, destacam-se o Pranchão, no qual a banda fica na altura dos ombros do folião, e o Navio Pirata, trio compacto, mas com potência sonora, usado pela banda BaianaSystem. 

Com o avanço do Carnaval de rua em cidades como São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, os trios elétricos ganharam espaço fora da Bahia. Também passaram a ser usados em protestos, comícios e até missas. Aos 70 anos, a máquina idealizada por Dodô e Osmar mantém lugar de destaque no reinado de Momo.

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