Vamos chamar de Antônio o trabalhador demitido há menos de um mês após quase oito anos de serviço como eletricista da Energisa.
‘Foi mandado embora’ no momento em que o país enfrenta a pandemia de Covid-19 e o desemprego de dois dígitos. No último acordo coletivo ficou acertado que só trabalhadores que estejam a um ano ou menos do direito à aposentadoria não serão demitidos.
Para Antônio faltam mais de quatro anos.
Ele entrou por meio de concurso público na empresa, tem mais de 50 anos e trabalhava no interior do estado.
Tem dois filhos e um deles ajudava financeiramente nos estudos com o salário de 3.900 reais. A esposa trabalha como dona de casa.
Não foi pego de surpresa com a demissão, pois conta que a pressão psicológica para forçar o empregado a pedir para sair é intensa e frequente.
“Eles caçam um jeito de demitir por justa causa, então tenho que achar bom não terem conseguido isso comigo, A gente ia trabalhar com a sensação de impotência”.
Antônio foi transferido antes da Ceron virar Energisa a preço de banana quando fazia um curso no seu local de origem, o que o obrigou a viagens constantes de um município a outro para concluí-lo.
O adicional de 25% pela transferência de um município a outro só foi pago durante um ano.
Pelo último acordo coletivo celebrado, esse benefício agora corresponde a 1 (um) salário base para custear as despesas com a transferência.
Sobre o que sente por ser demitido durante crise econômica piorada com a pandemia de Covid-19, disse que “a ganância da Energisa é algo que todos percebem na empresa e na cidade”.
Este blog já conversou com três trabalhadores demitidos pela Energisa em plena pandemia. Sem rumo, não podem planejar nada para manter as famílias. Eles perderam salários, auxílios à alimentação, à educação e à assistência médica que alcançava cônjuges e filhos.
Quem relata humilhação e desespero não quer o nome revelado. Tem trabalhador demitido com vergonha, com depressão e até medo de abrir a boca contra um grupo tão poderoso.
A receita líquida informada no site da empresa em 2019, foi de R$ 19,9bilhões, 26,0% acima do valor registrado em 2018.
Leia aqui: https://pt.scribd.com/document/451481547/Energisa-RI#fullscreen&from_embed
Dias piores virão conforme a reunião ocorrida no último dia 17 para discutir no contexto da pandemia o que vai impactar nos direitos dos trabalhadores, como Medidas provisórias, a PLR 2019 e o ACT 2020.
“A empresa informou que aplicará a MP 936, com a redução de 25% da jornada de trabalho e consequentemente a redução do mesmo percentual no salário, e que também adotará a suspensão de contratos, alegando que nenhum trabalhador será prejudicado”, segundo Informe do sindicato.
A Energisa não tem por que demitir sob a alegação de perdas durante a pandemia.
A agência reguladora, a ANEEL, com a resolução 414/2020 proibiu o corte de energia elétrica do consumidor que tiver conta atrasada por um período superior a 90 dias. Está suspenso o corte, não a cobrança, o que será feito tão logo expire a resolução.
A MP 950 determinou o desconto de 100% para quem consome até 200 kWh/mês, o que será pago com dinheiro de um Fundo Setorial (RGR), que todo consumidor contribui nas contas mensais.
Leia aqui: http://www2.aneel.gov.br/cedoc/ren2010414.pdf
O Sindicato dos Trabalhadores da Indústrias Urbanas de Rondônia, o SINDUR, informou que protocolou denúncia no Ministério Público do Trabalho para tentar barrar as demissões pelo menos enquanto durar a pandemia.
“Lutamos para que o trabalhador enfrente essa situação de emergência com uma qualidade de vida minimamente razoável”, informou o sindicato.
“Nossa energia está nas pessoas” é o slogan do pilar que a empresa alega sustentar os valores com colaboradores, investidores, fornecedores e clientes em seu site.
As campanhas de marketing da Energisa são impecáveis, mas falsas.
Desde que adquiriu em 2018 as Centrais Elétricas de Rondônia, a Ceron, a empresa só colhe duras críticas dos consumidores e empregados. Não goza de satisfação e muito menos credibilidade. Não é exagero dizer que a maioria detesta a Energisa.
Como uma empresa do setor elétrico construiu uma imagem tão negativa em menos de dois anos?
A resposta não está só na conta de energia, nos aumentos absurdos aplicados até aqui. A empresa que arrematou a Ceron encontrou aqui uma população desinformada e desinteressada e condições contratuais vantajosas inéditas.
Não faltou aviso, o sindicato da categoria investiu pesado em publicidade de rádio, televisão e internet para alertar sobre os riscos da entrega de um patrimônio dos rondonienses à iniciativa privada.
“Se a Ceron for privatizada, sua conta de energia vai aumentar”, alertava a campanha do Sindur, hoje um sindicato que perdeu força nas negociações com a empresa e com ele toda a sociedade.
Quem ouvia falar das coisas boas que a Energisa traria a uma empresa prejudicada com a interferência política, não tinha noção dos termos da venda e os prejuízos que suportariam.
Antes do leilão, várias denúncias foram encaminhadas ao MPF, TCU e MPE, pelo SINDUR e SENGE. Houve atos em protesto aos termos do edital de venda e uma audiência pública sem políticos e sem imprensa.
Entre as principais objeções à venda, estava a flexibilização das regras do setor elétrico relacionadas à qualidade dos serviços e outros indicadores para viabilizar a qualquer custo, a privatização.
O 5º maior grupo distribuidor de energia elétrica do país hoje atende 20 milhões de brasileiros.
Não precisaria demitir se lançasse um olhar humano sobre seus colaboradores e clientes.
Em breve, mais histórias como a de Antônio serão contadas aqui para demonstrar que a energia que move a Energisa é o lucro.