Na BBC – As circunstâncias da saída do ex-ministro Sergio Moro do governo Jair Bolsonaro alimentaram questionamentos sobre como um novo comando na Polícia Federal poderia afetar casos que envolvem filhos e aliados do presidente.
Moro atribuiu sua saída do Ministério da Justiça a pressões que o presidente estaria exercendo sobre a Polícia Federal, que classificou de “inadequadas”. Segundo o ex-juiz da Lava Jato, Bolsonaro chegou a pedir informações sobre investigações em andamento, ameaçando a autonomia da corporação.
Bolsonaro negou, no mesmo dia, que tenha tentado interferir na Polícia Federal (PF). “Nunca pedi para ele (Moro) que a PF me blindasse onde quer que fosse”, disse o presidente. Ele afirmou, no entanto, que pediu informações sobre as atividades da PF a Moro para “bem decidir o futuro dessa nação”.
A exoneração de Maurício Valeixo do cargo de diretor-geral da Polícia Federal foi publicada na sexta-feira (24/04). Alexandre Ramagem, atual diretor da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), é apontado como provável novo diretor-geral da Polícia Federal.
No domingo (26/04), Bolsonaro respondeu “e daí?”, em rede social, a uma mensagem que dizia que Alexandre Ramagem é amigo dos filhos do presidente.
“E daí? Antes de conhecer os meus filhos eu conheci o Ramagem. Por isso deve ser vetado? Devo escolher alguém amigo de quem?”, escreveu Bolsonaro.
Interferências?
A Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef), que representa quase 15 mil policiais federais de todo o país, divulgou nota na qual diz que “a Polícia Federal é uma polícia de Estado e não de governo e, por isso, acredita e defende que jamais a instituição deve ser atingida por interferências políticas”.
O presidente da Fenapef, Luís Antônio Boudens, disse à BBC News Brasil que a federação vai reforçar a vigilância sobre eventuais tentativas de interferência política.
“Aumenta o nosso cuidado nosso com a preservação de policiais envolvidos nas investigações. Nossa vigilância será mais atenta”, afirmou.
Ele reforça que é prerrogativa do presidente da República escolher o diretor-geral da PF, mas disse que “se cria um alerta” quando se fala em relação de amizade. “Nós não consideramos, a não ser que haja motivação descoberta, que a troca de diretor-geral é uma interferência. Isso é previsto em lei, não há que se falar em atropelo”.
Quando se fala em eventual tentativa de intervenção na PF para minar investigações, os dois pontos centrais, segundo Boudens, são mudanças em equipes de investigadores e algum tipo de corte desproporcional de verbas para áreas da Polícia Federal.
“A remoção de policiais de equipe de investigação sem motivo plausível é algo que geraria suspeita”, explica Boudens.
Veja, a seguir, 6 casos que envolvem pessoas próximas ao presidente Jair Bolsonaro e que têm alguma relação com a Polícia Federal:
1. CPMI das fake news
Dois filhos do presidente Jair Bolsonaro – Carlos Bolsonaro, vereador do Rio, e Eduardo Bolsonaro, deputado federal – são investigados pela Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) das Fake News.
Depoimentos à comissão denunciaram a participação de Carlos e Eduardo em campanhas na internet para atacar adversários políticos, com uso frequente de notícias falsas.
Alvo de ataques em sites e redes sociais, a deputada federal e ex-líder do governo Joice Hasselmann (PSL-SP) apresentou um dossiê à comissão e acusou Carlos e Eduardo Bolsonaro de impulsionar os ataques. Outro deputado federal, Alexandre Frota (PSDB-SP), também alvo de ataques e outro ex-aliado, fez acusações semelhantes.
Frota disse que documentos enviados pelo Facebook à Câmara implicavam Eduardo Guimarães, um assessor de Eduardo, no esquema de ataques virtuais. Segundo Frota, os documentos revelaram que o computador de Guimarães está vinculado à conta do Instagram Bolsofeios, que faz vários ataques contra jornalistas e críticos do governo.
Eduardo Bolsonaro disse desconhecer qualquer vínculo entre seu assessor e a conta.
A BBC News Brasil perguntou ao gabinete de Carlos qual sua posição em relação às denúncias, mas não obteve resposta.
O trabalho da CPMI foi reforçado, desde o fim do ano passado, por um delegado e um perito criminal especializados em crime cibernético.
Em 22 de abril, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM), determinou a suspensão dos prazos da comissão durante a pandemia do coronavírus. Com a decisão, que contraria os interesses da família Bolsonaro, os congressistas terão mais tempo para investigar o tema.
O presidente da CPI Mista das Fake News, senador Angelo Coronel (PSD-BA), já disse que pretende convocar Moro para falar à comissão.
2. Inquérito das fake news
O Supremo Tribunal Federal (STF) determinou a abertura de uma investigação sobre ataques a membros da corte e do Congresso. A investigação, que tramita em sigilo, teve acesso às informações colhidas pela CPMI das Fake News e pode se tornar outra fonte de preocupação para Eduardo e Carlos Bolsonaro.
Embora a tramitação seja sigilosa, alguns resultados já foram divulgados pela imprensa. Segundo a Folha de S.Paulo, a Polícia Federal identificou Carlos Bolsonaro como um dos articuladores de um esquema criminoso de fake news. E, segundo o Estadão, foram identificados empresários bolsonaristas que estariam financiando ataques contra ministros da Corte nas redes sociais.
Após a saída de Moro com acusações contra Bolsonaro, o ministro do STF Alexandre de Moraes, que é relator do caso, determinou que o comando da Polícia Federal mantenha nos postos os delegados da PF que trabalham nesse caso. A medida foi vista como uma forma de evitar que uma eventual substituição na direção-geral da PF influencie a investigação.
Boudens, da Fenapef, diz que o ministro do Supremo foi ágil. “Podemos até questionar constitucionalmente aquilo, porque a PF que teria que decidir sobre seus próprios coordenadores, mas entendo que ele acertou ao tomar a medida como preventiva”.
3. Investigação de atos pró-golpe
O ministro Alexandre de Moraes, do STF, autorizou a abertura de inquérito para investigar as manifestações realizadas no dia 19 de abril. O pedido de investigação foi feito pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, para apurar se houve ato contra a democracia por deputados federais, o que justifica a competência do STF no caso. Este inquérito também está sob sigilo.
Nessa data, o presidente Jair Bolsonaro fez pronunciamento a manifestantes em frente ao Quartel General do Exército. Entre os manifestantes, havia defensores do fechamento do Congresso, do STF e de um novo AI-5, o ato institucional que endureceu o regime militar e suprimiu direitos e liberdades. O presidente não está no pedido de inquérito.
Também em relação a essa investigação, o ministro Alexandre de Moraes, que é relator e responsável por coordenar as investigações junto à Polícia Federal, determinou que a PF mantenha nos postos os delegados que já trabalham no caso.
4. Caso Queiroz e a Superintendência da PF no Rio
Em agosto de 2019, Bolsonaro anunciou a troca de superintendente da Polícia Federal no Rio de Janeiro: Ricardo Saadi foi substituído por Carlos Henrique Oliveira. O presidente mencionou problemas de “gestão e produtividade”, mas a instituição negou problemas de desempenho da chefia.
Embora o superintendente da PF no Rio não tivesse ingerência sobre casos envolvendo a família Bolsonaro, houve uma avaliação de que Bolsonaro trocou o superintendente porque a atuação de Saadi estava em sintonia com autoridades que lidavam com o Caso Queiroz — que investiga supostos elos entre milícias do Rio de Janeiro — no âmbito estadual, com o Ministério Público do Rio de Janeiro.
Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) e amigo de Jair Bolsonaro desde a década de 1980, passou a ser investigado em 2018 depois que o Coaf (atual Unidade de Inteligência Financeira) identificou diversas transações suspeitas.
Segundo o órgão, Queiroz movimentou R$ 1,2 milhão entre janeiro de 2016 e janeiro de 2017, valor que seria incompatível com seu patrimônio e ocupação, e recebeu transferências em sua conta de sete servidores que passaram pelo gabinete de Flávio.
Essas movimentações atípicas, que vieram à tona num braço da Operação Lava Jato, levaram a uma investigação do Ministério Público do Rio de Janeiro. Há a suspeita de que as transferências se devessem a um esquema de “rachadinha”, no qual parte dos salários dos assessores seria devolvida a Flávio ou destinada a outro fins, o que Flávio nega.
Flávio recorreu ao Supremo Tribunal Federal para barrar a apuração, mas foi derrotado, e as investigações foram retomadas por decisão do ministro Gilmar Mendes.
Na semana passada, em outro revés para o senador, o ministro Felix Fischer, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), negou um pedido para que as investigações fossem suspensas.
Para os investigadores, Flávio Bolsonaro é chefe de uma organização criminosa que atuou em seu gabinete na Assembleia Legislativa entre 2007 e 2018, e parte dos recursos movimentados no esquema foi lavada em uma franquia de chocolate da qual ele é sócio.
Promotores investigam ainda se a “rachadinha” teria sido usada para financiar uma milícia que era comandada pelo ex-policial Adriano Nóbrega, morto em fevereiro.
Danielle Mendonça, ex-mulher de Nóbrega, trabalhou como assessora de Flávio. Em conversas de WhatsApp acessadas pelos investigadores, ela disse que o ex-marido ficava com parte do salário que ela recebia do gabinete.
Flávio é investigado sob suspeita de peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Não há informações detalhadas sobre os próximos passos nem previsão de conclusão porque os processos correm sob sigilo.
O senador nega ter cometido qualquer ilegalidade no caso.
“Fabricio Queiroz trabalhou comigo por mais de dez anos e sempre foi da minha confiança. Nunca soube de algo que desabonasse sua conduta”, disse, no Twitter, quando o caso veio à tona. “Tenho meu passado limpo e jamais cometi qualquer irregularidade em minha vida. Tudo será provado em momento oportuno dentro do processo legal”, afirmou Flávio em nota.
No domingo (26/04), em meio às negociações sobre novos nomes para assumir a PF e o Ministério da Justiça, Bolsonaro recebeu no Palácio da Alvorada o advogado Frederick Wassef, que advoga para Flavio Bolsonaro no caso Queiroz. Não houve declaração à imprensa.
5. Adélio Bispo
No pronunciamento em que rebateu acusações de Moro, Bolsonaro disse que o ex-ministro se preocupou mais com o caso do assassinato da vereadora Marielle Franco do que com o atentado sofrido por ele durante campanha presidencial.
A pressão de Bolsonaro sobre o caso Adélio Bispo, autor do atentado a faca, será o primeiro problema para o novo diretor da PF. Segundo a coluna Painel, da Folha de S.Paulo, a avaliação interna entre os policiais federais é que já houve intensa investigação neste caso, mas que não foi encontrado um mandante.
Ainda está pendente, no entanto, a decisão do STF de autorizar ou não investigações em documentos e equipamentos recolhidos com advogados de Adélio. Caberá aos ministros do Supremo decidir se, neste caso, a PF terá permissão para periciar um celular e outros materiais apreendidos no escritório do advogado Zanone Manuel de Oliveira, que defende Adélio.
A investigação dos materiais que estavam com Zanone foi suspensa após a Justiça atender a um pedido da Ordem dos Advogados do Brasil, que argumentou que vasculhar informações de um advogado violaria o sigilo profissional garantido pela Constituição.
Bolsonaro e seus advogados defendem que essa perícia poderia ajudar a elucidar o episódio.
Adélio está preso desde o atentado, em setembro de 2018.
6. Secretário de Comunicação de Bolsonaro
No início deste ano, a Polícia Federal abriu inquérito para investigar supostas irregularidades cometidas pelo secretário de Comunicação Social da Presidência da República, Fábio Wajngarten. O inquérito também tramita em sigilo.
O pedido do Ministério Público Federal diz que o objetivo é investigar indícios de corrupção, peculato e advocacia administrativa (quando o gestor usa cargo público para defender interesses privados).
O caso de Wajngarten veio à tona a partir de uma série de reportagens publicadas pelo jornal Folha de S.Paulo desde meados de janeiro.
O veículo revelou que ele, mesmo com cargo público, segue como o principal sócio de uma empresa que presta consultoria e recebe dinheiro de TVs e empresas de publicidade contratadas pela secretaria comandada por ele. Esse cenário implicaria conflito de interesse.
Wajngarten nega todas as acusações e diz que a investigação servirá para provar sua inocência.