No dia 8 de setembro a Polícia Militar de Vilhena-RO cumpriu a ordem judicial de reintegração de posse, dada pela juiza da segunda vara cível da comarca da cidade, fruto da ação possessória que foi movida contra os trabalhadores rurais sem terra da Associação Novo Canaã.
Por Dra. Mariana Gullo Paixão da Associação Brasileira dos Advogados do Povo – ABRAPO.
A decisão arbitrária colocou a baixo as benfeitorias (casas, plantação etc) dos camponeses pobres que viviam nos lotes 75 e 85 (antiga fazenda Vilhena), além de deixar mais de 50 famílias na rua em plena a maior crise sanitária dos últimos 100 anos.
Tal decisão contrariou as recomendações do Poder Público para o enfrentamento da pandemia de Covid-19, de isolamento social, bem como também foi arbitrária no sentido de que o processo estava repleto de vícios que ferem princípios constitucionais e processuais basilares do ordenamento jurídico brasileiro, qual seja o direito ao devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa.
Além disso, corre na esfera da justiça federal outro processo que visa cancelar os contratos de alienação de terras públicas do imóvel em questão, ou seja, quer dizer que a dominialidade do imóvel é questionável e não pertence ao fazendeiro, e sim a União, o que deveria consequentemente ser usada para o programa nacional de Reforma Agrária.
A juiza da segunda vara cível da comarca de Vilhena não somente decidiu que uma terra pertencente a União fosse para as mãos do fazendeiro como também, há menos de 12 horas antes de ocorrer a operação de Reintegração de Posse, despachou no processo para que tudo aquilo que os camponeses haviam construído e plantado no local nos últimos 5 anos de ocupação, viessem abaixo, e ainda, o referente despacho foi feito às 19h de um feriado! Sendo esta determinação muito próxima ao horário da operação, a equipe jurídica de advogados e advogadas populares não teve mais como intervir no processo.
A equipe jurídica atuante no processo tentou por todos os meios legais demonstrar o quão absurdo e arbitrário seria o despejo dessas famílias, tanto pela questão de claramente ser uma ação desproporcional do Estado contra trabalhadores rurais em vulnerabilidade social, tanto porque os vícios do processo são claros e se justiça fosse feita, deveria ser anulada a decisão de reintegrar a posse ao fazendeiro.
Os advogados e advogadas populares entraram com diversos pedidos de suspensão da Reintegração de Posse, tanto nos autos principais (que foram terminantemente negados pela juiza sem nenhuma fundamentação coerente) quanto com Mandados de Segurança, a nível de segunda instância, cujos quais sequer foram apreciados pelos desembargadores do Estado.
Nesta batalha jurídica, a Defensoria Pública do Estado de Rondônia também pediu no processo que a ordem de despejo fosse suspensa, tanto pelos motivos da crise sanitária quanto pelos vícios processuais do caso. Em contrapartida, o Ministério Público, que deveria zelar pela vida e atuar como fiscal da lei, parece ter esquecido suas reais atribuições, e aceitou a decisão da juiza sem se opor as evidentes ilegalidades cometidas.
Neste momento de grave crise social, política, financeira e sobretudo de saúde na qual estamos vivendo, o “fique em casa” se torna cada vez mais privilégio daqueles que podem pagar, seja a sua própria moradia, seja o judiciário corrupto, que ao invés de garantir justiça social e o mínimo de segurança para as populações vulneráveis, da poder ao agronegócio e garante que o latifúndio seja cada vez mais devastador contra os povos do campo do e da floresta na Amazônia Ocidental.