Crônica da carne preta

Crônica da carne preta

Aconteceu numa cidade pequena, numa balada com banda e dançarinos no palco.

A pérola negra do grupo estava com um shortinho colado e rebolava de um jeito que macho que é macho tóxico não perde a oportunidade de partir pra cima.

É senso comum entre os machos tóxicos que mulher dançando com roupa e gestos sensuais está disponível pra qualquer negócio ou até se oferecendo. A objetificação da mulher é característica de uma masculinidade tóxica.

Ele não resistiu à provocação.

Casado, cristão, achou melhor mandar alguém perguntar se por um trocados aquele pedaço de carne podia se balançar na frente dele, pra ele. Faria bem pro seu ego. Não pensou duas vezes e aguardou com água na boca pela resposta.

Apostou que uma dançarina qualquer não lhe negaria a diversão.

E tinha o público.
Talvez ele quisesse demonstrar seu poder e orgulho de legítimo macho tóxico, dominador e agressivo.

A carne preta é a mais barata do mercado, dizem. Teria pensado nisso enquanto esfregava os pequeninos culhões?

Ele esqueceu a posição social que ocupa, a família, o povo da igreja, o rebanho eleitoral.

Um macho desse tipo por mais responsabilidade que tenha na sociedade não dorme até sua vontade ser saciada.

Naquela noite ele estava seguro de que ia conseguir ver aquele pedaço de carne de perto. Com os olhos nas pontas dos dedos.

Pagando bem, mal não tem, lhe ordenou a consciência.

Para surpresa dele, as coisas não saíram como esperava.

Ela não dançou.
Ele dançou.

Enfezado com a recusa, partiu pra agressão.

O caso foi parar na internet, na delegacia e no noticiário.

Restou a ele negar, mas tinha muita gente de olho. Testemunhas de mais um caso de violência contra a mulher.

A dançarina que estava trabalhando e foi vista como um mero e suculento pedaço de carne ainda treme. De tristeza e até medo.

Contando ninguém acredita, mas a carne preta gritou! E tão alto que várias carnes tremeram e também gritaram.

Dizem que vão passar dias gritando sem parar e pra sempre vão lembrar a carne em que ele bateu por não conseguir comprar.



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