“O maior retrocesso ambiental da história de Rondônia.”
A frase consta na mensagem nº 122 à Assembleia Legislativa, assinada eletronicamente às 16h16 da quinta-feira (20) pelo governador Coronel Marcos Rocha (PSL).
No texto, ele justificava por que iria vetar o projeto de lei complementar que retira 219 mil hectares de duas unidades estaduais de conservação. Cita a falta de um estudo técnico, o risco de aumento no desmatamento e a supressão de direitos já reconhecidos de populações tradicionais.
A mensagem sairia no Diário Oficial do Estado (DOE) desta sexta, mas, horas depois, Rocha mudou radicalmente de ideia.
Ao invés do veto à desafetação, a publicação oficial trouxe a sanção, na íntegra, do projeto de lei complementar 80, que na prática extingue a Reserva Extrativista (Resex) Jaci-Paraná e retira parte do Parque Estadual (PES) Guajará-Mirim. Essa versão foi assinada eletronicamente às 23h, quase sete horas após a mensagem nº 122.
Somadas, as áreas desafetadas, em boa parte griladas, desmatadas ilegalmente e usadas para pecuária extensiva, equivalem aos municípios de São Paulo e Salvador juntos. Trata-se da maior redução de áreas protegidas já aprovada por um parlamento estadual no Brasil.
Apesar de excluída do DOE, a mensagem nº 122 foi anexada ao procedimento do Ministério Público Federal (MPF) em Rondônia que verifica a regularidade da redução das unidades de conservação, de consulta pública.
Na mensagem à Assembleia descartada, Rocha seguiu o parecer da Procuradoria Geral do Estado contrário ao PLC 80, que apontou falta de estudos prévios sobre a redução, a ausência da consulta obrigatória a povos indígenas e tradicionais, além de ser inconstitucional.
“Ao ampliar o número de áreas afetadas, essa Assembleia Legislativa acabou por incluir regiões que nem sequer são passíveis de regularização fundiária [e] tampouco se encontram ocupadas, circunstância que, além de contrariar o interesse público, poderá aumentar significativamente o desmatamento no estado de Rondônia”, diz a mensagem de Rocha que acabou descartada.
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Segundo a mensagem, o PLC 80 tinha “presença de vícios de inconstitucionalidade e a contrariedade ao interesse público” e foi descaracterizado por emendas parlamentares, que ampliaram a proposta original do governo estadual, que previa a desafetação de 161 mil hectares, e não de 219 mil hectares.
Outra justificativa para o veto total era de que a criação de cinco unidades de conservação —mantida na sanção desta sexta— é insuficiente para compensar as áreas desafetadas.
“De acordo com a Secretaria de Estado do Desenvolvimento Ambiental (Sedam), caso a proposição aprovada pela Assembleia Legislativa fosse sancionada, o estado de Rondônia ficaria com o déficit de aproximadamente 99 mil hectares de unidades de conservação, circunstância que, a toda evidência, caracterizaria o maior retrocesso ambiental da história de Rondônia”, diz a mensagem de Rocha.
“Por fim, vale ressaltar que, ao aumentar, sem nenhum estudo técnico, a quantidade de áreas desafetadas no interior da unidade de conservação, a proposição aprovada pela Casa de Leis poderá agravar ainda mais os conflitos socioambientais em Rondônia. Isso porque, da forma aprovada, a proposta em questão acabará por suprimir, em várias regiões, direitos já reconhecidos e desfrutados por populações tradicionais que ali residem há muitos anos”, conclui a mensagem.
Desde quinta-feira (20), a reportagem da Folha tenta ouvir o governador sobre o caso, mas sua assessoria informou que ele está “em deslocamento de agenda no interior do estado”.
Na prática, a sanção do PLC 80, aprovado por unanimidade pela Assembleia Legislativa em abril, representa o fim da Reserva Extrativista (Resex) Jaci-Paraná, que perdeu 88% do seu território e agora se restringe às matas ciliares, áreas já protegidas pela legislação federal.
A Resex Jaci-Paraná é uma das unidades de conservação mais desmatadas do país, com 55% de sua área devastada. Praticamente toda a destruição de 113.375 hectares de floresta nativa ocorreu após a sua criação, em 1996. Hoje, tem 120 mil cabeças de gado, segundo o governo estadual, em uma área onde só é permitido o extrativismo.
No PES Guajará-Mirim, a redução de 50 mil hectares inclui uma área de mata nativa vizinha à Terra Indígena (TI) Karipuna, já invadida por madeireiros e grileiros. Para os indígenas, que não foram consultados pelo governo, a mudança aumentará a pressão sobre o seu território.
No DOE, o governador Rocha não incluiu nenhuma justificativa para a redução das duas unidades de conservação.