Militares na Amazônia custaram R$ 550 mi e não baixaram desmatamento

Militares na Amazônia custaram R$ 550 mi e não baixaram desmatamento

Folha de São Paulo – As três intervenções das Forças Armadas no combate a crimes ambientais na Amazôniacustaram R$ 550 milhões aos cofres públicos e não derrubaram o desmatamento no bioma. Mesmo assim, o vice-presidente Hamilton Mourão defendeu a continuidade dessa militarização para que negociadores brasileiros tenham “números positivos” para apresentar na COP26.

A Conferência das Nações Unidas para Mudanças Climáticas começa no próximo dia 31 em Glasgow, no Reino Unido. Mourão, que preside o Conselho Nacional da Amazônia Legal, foi excluído da possibilidade de chefiar a delegação brasileira na COP26, apesar de ter manifestado intenção nesse sentido. O ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, lidera os trabalhos.

Além disso, o apelo de Mourão para que os militares permanecessem na Amazônia, até como forma de garantir êxito na conferência da ONU, foi ignorado pelo governo. No último dia 15, o próprio vice-presidente confirmou que o governo não renovaria mais ações do tipo.

Militares das Forças Armadas participam de operação de GLO (Garantia da Lei e da Ordem) na Amazônia – Adriano Machado – 28.set.2021/Reuters 

As intervenções militares foram garantidas por meio de decretos do presidente Jair Bolsonaro que autorizaram o emprego das Forças Armadas nas chamadas GLOs (garantias da lei e da ordem), com ações diretas em terras indígenas, unidades de conservação e áreas particulares onde ocorriam crimes ambientais.

As três GLOs ficaram vigentes durante 16 dos 34 meses de governo Bolsonaro. Apesar do malabarismo com dados feito pelo governo, a presença dos militares não derrubou os indicadores de desmatamento da Amazônia.

A primeira GLO vigorou de agosto a outubro de 2019. Cada dia da chamada Operação Verde Brasil custou R$ 1,5 milhão, segundo informação do próprio Mourão.

Depois, uma nova GLO assegurou a Verde Brasil 2, que durou entre maio de 2020 e abril de 2021, a um custo de R$ 410 milhões.

Uma terceira GLO garantiu a Operação Samaúma entre o fim de junho e o fim de agosto de 2021. Esta última teve ação mais focada em 26 cidades de quatro estados amazônicos. Custou R$ 50 milhões, segundo Mourão.

O total de R$ 550 milhões equivale a quase seis vezes o valor do orçamento do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) em 2020 para gastos com fiscalização ambiental, licenciamento e gestão da biodiversidade. É o Ibama o órgão fiscalizador e repressor dos ilícitos nos biomas brasileiros.

Uma ata detalhada da última reunião do Conselho da Amazônia, que não fica disponível para consulta no site do colegiado, registra o apelo do vice-presidente para que a GLO prosseguisse, de forma a assegurar “números positivos” na COP26.

Conforme o documento do encontro, realizado em 24 de agosto, Mourão “conversou com o ministro da Defesa para que estenda a GLO, com os recursos que restaram, de modo que, quando os nossos negociadores chegarem em Glasgow para a COP26, em novembro, se tenham números positivos e principalmente demonstre claramente o comprometimento do Estado brasileiro (governo Bolsonaro) de resolver esse problema”.

Na reunião, o vice-presidente antecipou a evolução do dado consolidado do desmatamento da Amazônia, sistematizado pelo Prodes (Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite), do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). O desmatamento entre agosto de 2020 e julho de 2021 teria sido 5% menor do que o registrado no ciclo anterior.

A perda de vegetação entre agosto de 2019 e julho de 2020, porém, foi de 10.851 km2 de floresta, 7,1% a mais que no ciclo anterior. Foi um recorde em 12 anos, conforme os dados do Inpe.

O decreto que instituiu a última GLO, garantidora da Operação Samaúma, estabeleceu uma vigência até o último dia 31 de agosto. O mês seguinte registrou um desmatamento de 1.224 km2, uma área do tamanho da cidade do Rio de Janeiro, a pior marca para setembro em dez anos, segundo o sistema de alerta do Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia).

O acumulado de janeiro a setembro, período que envolve a Verde Brasil 2 e a Samaúma, chegou a 8.939 km2, 39% a mais que no mesmo período em 2020 e o pior índice em dez anos, conforme os dados do Imazon.

A Operação Samaúma teve “resultados extremamente positivos”, segundo afirmou Mourão na reunião do Conselho da Amazônia. “É preciso manter a impulsão e é fundamental que se consiga atingir o objetivo.”

O vice-presidente citou a elaboração de um programa chamado Nossa Amazônia e pediu aos ministros presentes que respeitassem os prazos de contribuição para o programa, até outubro, “um mês antes da COP26, para deixar claro o compromisso do Estado brasileiro com o que vem ocorrendo na Amazônia”.

Mourão disse ainda que o conceito de soberania “está intimamente ligado ao problema que vive a Amazônia”. Limitam a soberania, segundo o vice-presidente, o fluxo de refugiados, o tráfico de drogas e de armas e a “interdependência econômica internacional”.

Nem o Ministério do Meio Ambiente nem o Itamaraty responderam aos questionamentos da reportagem sobre como a militarização do combate a crimes ambientais na Amazônia poderia contribuir nas negociações na COP26.

A Vice-Presidência afirmou que Mourão não foi excluído da COP26. O que houve, segundo a assessoria do vice-presidente, foi uma decisão de Bolsonaro de colocar a comitiva sob a tutela do ministro do Meio Ambiente. Mourão participa de reuniões preparativas para o evento, segundo a vice-presidência, e resultados serão divulgados em breve.

Com vista à participação na COP26, o governo Bolsonaro prepara uma atualização da Política Nacional sobre Mudança do Clima e o lançamento do Programa de Crescimento Verde, este previsto para a próxima segunda-feira (25). O Ministério da Agricultura lançou o Plano ABC+, também de olho na COP26, com proposta de ampliação da redução de emissão de carbono pelo setor agropecuário.

Veja fotografias de Lalo de Almeida na Amazônia
Veja fotografias de Lalo de Almeida na Amazônia

Folha mostrou em reportagem publicada na quinta (21) que a atualização da Política Nacional sobre Mudança do Clima exclui a previsão de expansão de áreas verdes legalmente protegidas, conforme minuta finalizada de um projeto de lei.

A minuta obtida pela reportagem propõe a revogação da lei de 2009 que instituiu a política do governo brasileiro para mudanças climáticas, de forma que a nova proposta em desenvolvimento ocupe seu lugar. Pela lei vigente, a política deve visar à “consolidação e à expansão das áreas legalmente protegidas”.

Em dezembro de 2020, o Brasil apresentou à ONU a atualização de seu compromisso de redução de gases de efeito estufa, dentro do Acordo de Paris. Esse compromisso é chamado contribuição nacionalmente determinada (NDC, na sigla em inglês).

O ano considerado como base foi 2005. Até 2025, o compromisso de redução de emissão de gases é de 37%. Até 2030, 43%.

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