Mais de cem mil famílias foram afetadas em uma década de conflitos no campo na Amazônia

Mais de cem mil famílias foram afetadas em uma década de conflitos no campo na Amazônia

A Pública – O ano de 2020 marcou um triste recorde na Terra Indígena (TI) Kaxarari, localizada no oeste do município de Porto Velho, capital de Rondônia. De junho a agosto, houve três episódios conflituosos envolvendo madeireiros, empresários e o governo federal, que ocorreram após uma ação das Forças Armadas que patrulhou a TI, segundo o Ministério da Defesa, para tentar coibir o desmatamento e a extração ilegal de madeira na região.

A sequência de conflitos — a maior registrada pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) na área da Kaxarari na década de 2011 a 2020 — ocorreu num ano em que a região, além de ser alvo de madeireiros ilegais, registrou diversos focos de incêndio das queimadas que avançaram pela Amazônia. Mais que um caso isolado, a realidade da Kaxarari dá a dimensão do que vem ocorrendo em Porto Velho como um todo: o município combina um grande número de conflitos em terras indígenas, assentamentos e propriedades rurais ao mesmo tempo que registra o avanço do desmatamento e o alto número de incêndios na floresta.

Operação aérea de fiscalização verifica área desmatada na Terra Indígena Kaxarari/Amazonas.
Fiscais do Ibama verificam madeiras em toras encontradas durante ação de fiscalização na Terra Indígena Kaxarari/Amazonas.

Operação de fiscalização do Ibama em área desmatada na Terra Indígena Kaxarari


A conclusão é um dos resultados de meses de investigação inédita da Agência Pública com base em uma década de apuração de conflitos no campo pela CPT na Amazônia Legal brasileira. Além de mapear os conflitos em todos os municípios da região no período, a investigação levantou, a partir de bases públicas, dados socioambientais em todos eles. O resultado é a ferramenta Mapa dos Conflitos, que mostra os municípios da Amazônia sob diversas lentes, que, juntas, ajudam a entender o que vem ocorrendo na região.

Ao todo, o mapa traz um histórico de 7.818 conflitos, em 583 municípios dos nove estados da Amazônia Legal. Mais de 100 mil famílias foram afetadas, com 2.397 vítimas de ameaça, assassinato ou tentativa de assassinato. As agressões geraram 312 mortes.

Conflitos, desmatamento e queimadas avançam em áreas da Amazônia brasileira


Em Porto Velho, três índices têm caminhado juntos e com valores elevados: conflitos, desmatamento e queimadas. Em nove dos dez anos analisados, a quantidade de conflitos no município esteve na maior faixa — que registra onde houve mais ocorrências —, em comparação a todos os demais municípios da Amazônia Legal. Coincidentemente, nesses nove anos, Porto Velho registrou também o patamar mais alto de avanço do desmatamento, considerando sua área. E os incêndios não ficaram muito atrás: em seis dos dez anos, os focos de queimadas estiveram nos maiores níveis na Amazônia.

Bianca Muniz e Bruno Fonseca/Agência Pública


A realidade de Porto Velho reflete a de outros municípios em Rondônia: Nova Mamoré, vizinho à capital, e Seringueiras também registraram conflitos e desmatamento nas faixas mais altas em 2020, junto a índices de queimadas acima da média do ano. Já em 2019, ambos tiveram um número alto de conflitos enquanto figuravam no topo do desmatamento, junto a índices significativos de focos de queimadas.

Situação parecida ocorreu na capital do Acre, Rio Branco. Em vários anos, enquanto registrava o nível mais alto de conflitos, o município figurou também no topo do avanço do desmatamento. O cenário foi especialmente grave em 2019, quando a capital marcou o patamar mais alto nos dois índices: de queimadas e de aumento do desmatamento. Relatório do Centro Integrado de Geoprocessamento e Monitoramento Ambiental (Cigma) do governo do Acre sobre 2019 destacou que naquele ano 12% dos desmatamentos no estado se concentraram em Rio Branco.

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