QUEM SÃO AS PRINCESAS DE BOLSONARO

QUEM SÃO AS PRINCESAS DE BOLSONARO

Revista Piauí, por Camila Rocha – Extrema direita busca voto de mulheres conservadoras para ajudar a construir narrativa em defesa de religião, pátria e famíliaCamila Rocha.

Os comícios mal disfarçados de celebração pública, o presidente Jair Bolsonaro (PL) se dirigiu apenas aos seus e, sobretudo, às suas apoiadoras. E como de costume, a imprensa tradicional e analistas de plantão ficaram chocados com as falas do mandatário, que celebrou sua virilidade ao se afirmar “imbrochável”. 

Bolsonaro ainda causou espécie ao fazer uma comparação implicitamente estética entre as primeiras-damas. Elogiou sua esposa, Michelle, exaltando suas qualidades como guardiã dos valores cristãos e familiares, e recomendou aos solteiros de plantão que, assim como ele, fossem atrás de uma princesa que os fizessem felizes. 

A tríade clássica “Deus, família e liberdade” definiu o tom geral dos atos, para o contentamento da fandom bolsonarista. Com a diferença de que, dessa vez, para além da liberdade ligada à defesa da propriedade privada, a evocação do termo se estende à “liberdade” de atentar contra a legitimidade das instituições.

Na manhã de quarta-feira, em café da manhã com apoiadores, o próprio presidente fez questão de enfatizar o mote direitista tradicional ao afirmar sua convicção na repetição da história. Para tanto, invocou, em uma espécie de crescente, a necessidade de superação em momentos difíceis. As datas apontadas marcam  o início da revolta tenentista (1922), o que ficou conhecido como “intentona comunista” (1935), o golpe de 1964, o impeachment da então presidente petista Dilma Rousseff (2016), sua eleição em 2018 e sua tentativa de permanecer no cargo nas eleições deste ano.

Porém, as semelhanças mais flagrantes são, sem dúvida, com o espírito que antecedeu a instauração da ditadura militar. Suas intervenções contra a corrupção e o comunismo e em defesa da liberdade e da proteção da propriedade privada ecoaram o repertório da Marcha da Família com Deus pela Liberdade, ocorrida há quase sessenta anos, às vésperas do golpe de 1964.

Na época, grupos de mulheres católicas conservadoras pediram permissão aos maridos para organizar o ato em São Paulo. Seu objetivo era fazer frente ao comício ocorrido dias antes no Rio de Janeiro que reuniu cerca de 200 mil pessoas em defesa das chamadas reformas de base, entre as quais figurava a reforma agrária. 

Não só as mulheres conservadoras conseguiram superar numericamente o comício das reformas como a mobilização foi fundamental para os desdobramentos golpistas. A despeito disso, algo pouco salientado por analistas é justamente o papel desempenhado pela militância feminina conservadora e o destaque conferido ao papel da mulher no imaginário de direita. 

Historiadores e até os próprios políticos da época afirmavam que a atuação das mulheres que organizaram a marcha teria sido algo marginal no processo político, afirmando que elas teriam sido manipuladas por homens “mais importantes”, como padres, maridos ou seus próprios pais. Quando na realidade essas mulheres se organizaram de forma consciente pela defesa de seu modo de vida, baseado em um modelo de feminilidade cristão conservador que exalta os papéis de mãe, dona de casa e esposa. Assim, em sua percepção, o avanço do comunismo ameaçaria suas próprias existências, como bem registrou a historiadora e professora da Universidade Federal Fluminense Janaína Cordeiro.

Atualmente, a valorização da mulher conservadora segue script semelhante, porém, dessa vez, enfatiza-se uma atuação “empoderada” na esfera pública. Nesse sentido, Michelle Bolsonaro e Damares Alves, ex-ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos e hoje candidata ao Senado do Distrito Federal pelo Republicanos, são exemplares. Segundo mulheres autodenominadas conservadoras, ambas teriam direito à própria voz, como foi possível constatar nas pesquisas publicadas no livro Feminismo em Disputa, que organizei ao lado de Beatriz Della Costa e Esther Solano.

A despeito das reflexões sobre submissão feminina realizadas por apoiadoras do atual presidente, como sua nora, Heloísa Bolsonaro, os apelos ao empoderamento como sinônimo de autonomia financeira e ao combate ao machismo são frequentes mesmo entre mulheres que se entendem como conservadoras. 

A grande diferença que as separa das demais mulheres é a importância que conferem à atuação das mulheres dentro da família como garantidoras da  harmonia do lar. Contudo, ressaltam a importância de políticas públicas que permitam a conciliação do trabalho fora de casa e os cuidados com o lar. 

Em sua visão, o modelo de mulher empoderada combina, necessariamente, representatividade no espaço público e protagonismo no âmbito familiar e doméstico. Inclusive, o exercício da maternidade continua a ser exaltado como algo sagrado, mas já não é tido como uma obrigação e sim como opção, ao contrário do entendimento que vigorava em décadas passadas. 

Assim, se existem aquelas que se declaram antifeministas, também há quem se declare bolsonarista e feminista, ressaltando o que é percebido como uma relação positiva entre Jair e Michelle, como afirmou uma eleitora entrevistada em Feminismo em Disputa. 

Votei no Bolsonaro e sou feminista. A gente é feminista da nossa forma. A gente busca nossos direitos, se é certo para a maioria, é positivo. Essas feministas acham que ele é machista por causa de uma palavra. Porque ele ofendeu outra mulher, a deputada Maria do Rosário, já rotularam: “não respeita a mulher”. Aí vem Michelle Bolsonaro e derruba essa visão machista a respeito dele. 

Para além de não se sentirem representadas pelo que classificam como “feminismo extremista”, essas mulheres sentem que as feministas “extremistas” são intolerantes com mulheres conservadoras, que priorizam o lar e são religiosas. 

Para elas, a religiosidade não é incompatível com o feminismo. Em seu entendimento, a fé é uma questão individual, e o feminismo é uma luta coletiva e pública, e que, portanto, pertencem a âmbitos diferentes. Assim, o “feminismo extremista” se equivocaria ao rotular as mulheres conservadoras como submissas tout court e não compreender que também podem ser modelos de empoderamento: 

Pode ser feminista e ser religiosa ao mesmo tempo, não tem nada a ver uma coisa com a outra. O fato de você ter uma religião em nenhum momento quer dizer que você não possa ser uma mulher empoderada, ativa, que luta na política, que luta pela sua família, no trabalho. Ser feminista não tem nada a ver com a religião. Se eu acho que uma saia longa me faz mais santa, isso tudo é ideologia, não tem nada a ver com o que você é, com a sociedade. 

As feministas têm preconceito. Elas acham que o feminismo não engloba isso. Se a mulher está dentro de casa, cuidando dos filhos, fazendo comida, acham que isso vem do macho. Elas são contra a gente que é feminista dessa forma, a gente que sabe lutar a favor de nossos direitos de forma mais comportada. Existem feministas contra as feministas. Existem as extremistas, e existe a gente, que é mais conservadora. Elas mesmo não acreditam na gente: “a mulher não vai conseguir porque ela é mãe.” Existe aquela fulana que critica essa pessoa aqui, que critica por estar dentro de casa. Só acredita quando você está convivendo com ela.  

Ou seja, para as mulheres que se afirmam conservadoras, o feminismo tido como extremista as atacaria direta ou indiretamente a despeito de ter a pretensão de representar todas as mulheres. Por conta disso, avaliam que as feministas deveriam se dedicar menos a protestos de rua ruidosos e mais a um trabalho silencioso, cotidiano e constante, no âmbito individual de cada mulher, pautado na solidariedade às outras mulheres.

Assim, enquanto a maioria das análises do Sete de Setembro irão conferir centralidade à corrida por votos, destacando as oportunidades perdidas por Bolsonaro, direitistas continuarão a insistir na conquista de corações e mentes dos seus, e, sobretudo, das suas. 

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