Veja o que os presidenciáveis propõem sobre alimentação, agricultura e fome

Veja o que os presidenciáveis propõem sobre alimentação, agricultura e fome

Bolsonaro cita palavra “fome” apenas uma vez no programa de governo

Marcos Hermanson Pomar O Joio e o Trigo

Segundo dados da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, a Rede Penssan, 125 milhões de brasileiros vivem algum tipo de insegurança alimentar no Brasil em 2022. Desses, 33 milhões passam fome. 

A falta de alimento atinge ainda mais os responsáveis por produzir o alimento que chega (ou deveria chegar) na mesa dos brasileiros. A cada cem agricultores, vinte e dois passam fome, segundo a mesma fonte.

Nos últimos dozes meses, a inflação dos alimentos encostou nos 15% e, como se não bastasse, os produtos ultraprocessados devem se tornar mais baratos do que os alimentos saudáveis dentro dos próximos quatro anos

Joio resolveu olhar para os programas de governo dos quatro candidatos à presidência mais bem colocados nas pesquisas de intenção de voto – Lula (PT), Jair Bolsonaro (PL), Ciro Gomes (PDT) e Simone Tebet (MDB) – e descobrir o que propõem como solução para esses problemas.  

Enquanto Ciro, Lula e Tebet tem consenso no fortalecimento da agricultura familiar com crédito, compras públicas e estoques reguladores, apenas o candidato petista propõe de forma explícita a retomada da política de reforma agrária. 

Ao mesmo tempo, Ciro e Lula sugerem um programa de renda mínima – melhor especificado pelo candidato do PDT – enquanto Tebet propõe uma “poupança família” para casos de perda súbita de renda entre trabalhadores pobres.

O candidato à reeleição Jair Bolsonaro trouxe propostas vagas para alimentação, e mencionou a palavra “fome” apenas uma vez no programa de governo. Ele exaltou políticas de transferência de renda ampliadas durante os quatro anos em que esteve à frente do Executivo federal e afirmou que houve redução da desigualdade durante seu mandato.

Nenhum dos programas fala em regulamentação e taxação de produtos ultraprocessados.  

Lula: reforma agrária, estoques reguladores e ampliação do Bolsa Família 

O ex-presidente Lula, que apresenta  45% das intenções de voto na pesquisa Datafolha de 01 de setembro, promete, em seu programa, “trabalhar de forma incansável até que todos os brasileiros tenham novamente direito a ao menos a três refeições de qualidade por dia”.

Para tanto, ele propõe ampliar e renovar o Bolsa Família, “com direção a uma renda básica universal”, retomar políticas de compras públicas e de estoques reguladores (estoques públicos de alimentos cuja função é segurar os preços no mercado interno em momentos de escassez), ampliar crédito à agricultura orgânica e familiar e estimular circuitos curtos de produção e consumo. 

O candidato também fala em fortalecer o agronegócio sustentável e “regular e constituir uma agroindústria de primeira linha” – frase que custou atrito com setores do agronegócio. Além disso, ele menciona a retomada da política de reforma agrária no país.

A assessoria de imprensa da campanha de Lula foi procurada pelo Joio para detalhar a proposta de ampliação do Bolsa Família, explicando qual seria a faixa de renda atendida e os valores repassados, mas não houve retorno até o fechamento da matéria. Recentemente, perfis de Lula nas redes sociais têm apresentado a proposta de acrescentar ao valor do Auxilio Brasil (antigo Bolsa Família) R$ 105 por filho, em cada núcleo familiar. 

O senador e ex-ministro da Saúde (2003-2005) Humberto Costa, um dos autores do programa de Lula na área da Saúde, foi questionado pelo Joio sobre a ausência de propostas para regulação e taxação de ultraprocessados. 

Ele afirmou que “o programa foi construído em cima de bases consensuais e bem genéricas”, que apontam para o fortalecimento do papel regulatório e fiscalizatório da Anvisa e do Ministério da Saúde, mas que a discussão da regulamentação dos ultraprocessados foi debatida dentro da campanha e será levada para um eventual governo. 

Propostas de Lula para fome, alimentação e agricultura

• Renovar e ampliar o Bolsa Família
• Retomar política de compras públicas e estoques reguladores
• Ampliar crédito para agricultura familiar
• Fortalecer circuitos curtos de produção e consumo
• Fortalecer o agronegócio sustentável
• Regular e constituir uma agroindústria de primeira linha
• Estender direitos a trabalhadores de aplicativos

Ciro promete renda básica “Eduardo Suplicy”

Ciro Gomes, que concorre pelo PDT e tem cerca de 9% das intenções de voto, também segundo o último Datafolha, é mais um a propor a renda básica universal. A ideia é juntar Aposentadoria Rural, Auxílio Brasil e Seguro Desemprego em um só repasse, instituindo a “Renda Básica Eduardo Suplicy” – o ex-senador e atual vereador pelo PT de São Paulo é conhecido como um dos grandes defensores da medida no país. 

Em seu programa de governo, Ciro também promete garantir gás de cozinha pela metade do preço para famílias com renda total de até dois salários mínimos. 

Para a agricultura e o meio ambiente, o pedetista sugere a realização de um “zoneamento agroecológico” na Amazônia, um programa amplo de regularização fundiária e a preservação das reservas indígenas, vetando sua exploração “por outros grupos étnicos”. 

Com a campanha petista, Ciro compartilha as propostas de retomada dos estoques reguladores, extensão de direitos trabalhistas a trabalhadores por aplicativo e a instituição de um impostos sobre os mais ricos – em entrevista ao Jornal Nacional, Ciro sugeriu uma alíquota adicional de imposto de renda de 0,5% para pessoas físicas com patrimônio acima de R$ 20 milhões, mas a proposta não consta no programa de governo.

Procuramos a campanha do candidato do PDT para entender como seria implementado o benefício do gás de cozinha a metade do preço e quais seriam os direitos garantidos a trabalhadores de apps, mas não houve resposta até o fechamento da reportagem.

Propostas de Ciro para fome, alimentação e agricultura

• Renda básica universal “Eduardo Suplicy”
• Gás de cozinha pela metade do preço para famílias pobres
• Zoneamento agroecológico na Amazônia
• Regularização fundiária
• Preservar reservas indígenas
• Estender direitos trabalhistas a trabalhadores de aplicativos
• Imposto adicional sobre os mais ricos

Tebet fala em eliminar fome como “primeira missão”

A candidata Simone Tebet (MDB), hoje com 5% das intenções de voto, afirma em seu programa de governo que terá como primeira missão eliminar a fome e a miséria no país. Ela também destaca que “nunca se viu tamanha destruição do meio ambiente” como no governo Bolsonaro. 

Nas políticas voltadas ao campo, Tebet propõe expandir o crédito e a extensão agrícola para a agricultura familiar e comunidades tradicionais (indígenas, ribeirinhos e quilombolas), além de criar uma lista suja do desmatamento e da invasão de terras.

Em resposta ao Joio, a assessoria da candidata prometeu manter o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), as compras públicas e os estoques reguladores. “Políticas públicas que fortalecem a agricultura serão sempre mantidas e ampliadas para o combate à fome na minha gestão”, diz o texto enviado à reportagem.

A candidata do MDB também fala em recuperar e fortalecer a Funai e fazer cumprir a legislação de defesa dos direitos dos povos originários e de proteção de seus territórios.

“A chave da questão indígena é hoje a retomada da homologação das terras indígenas, parada desde o governo Temer”, avalia a candidata no posicionamento enviado por meio da sua assessoria de imprensa.

“De um lado, a FUNAI foi totalmente enfraquecida em termos que pessoal, recursos e liberdade de atuação. De outro, como [foi] muito enfatizado pelo atual governo, não há interesse na criação de novas TIs. Hoje há dezenas de TIs, com estudos prontos, preparadas para serem homologadas, mas não há vontade política”.

No programa de governo protocolado na Justiça Eleitoral, Tebet também propõe a “Poupança Família”, voltada para trabalhadores informais e com queda súbita de renda, nos marcos da Lei de Responsabilidade Social que tramita no Congresso. 

Na proposta, o governo deposita 15 centavos para cada um real de renda declarada de trabalhadores pobres ou informais em uma poupança, que pode ser resgatada até duas vezes por ano, em casos de desastre natural, perda de emprego ou doença.

Propostas de Tebet para fome, alimentação e agricultura

• Expandir crédito e extensão agrícola para agricultura familiar e comunidades tradicionais
• Lista suja do desmatamento e invasão de terras
• Manutenção do Pronaf, PAA e políticas de compras públicas e estoques reguladores
• Recuperar e fortalecer a Funai
• Retomar a homologação de terras indígenas
• “Poupança Família” para trabalhadores informais e formais de baixa renda

Bolsonaro traz propostas vagas e menciona palavra “fome” apenas uma vez 

Atual presidente do país e no segundo lugar nas pesquisas, com 32% das intenções de voto, Jair Bolsonaro (PL) faz uma defesa de medidas implementadas em seu governo, como o Auxílio Brasil – que substituiu o Bolsa Família e deverá pagar R$ 600 até o fim do ano – e o Alimenta Brasil (antigo Programa de Aquisição de Alimentos). 

O presidente avalia que “mesmo diante da pandemia, da crise hídrica e do conflito entre a Rússia e a Ucrânia, o primeiro mandato cumpriu o seu papel com medidas que sem dúvida reduziram a desigualdade econômica”. 

Fortalecer a capacidade de agregação de valor da agropecuária, aumentar a produção nacional de fertilizantes, ampliar o sistema de proteção social e acelerar o processo de combate à desigualdade são algumas das propostas apresentadas por Bolsonaro. 

No documento, o candidato também propõe ser “perfeitamente factível” equilibrar a demanda nacional e as exportações de alimentos, dando prioridade para o consumo interno – já mostramos no Joio que, durante o governo atual, as exportações tiveram alta recorde, concomitante com o aumento da inflação e da fome. 

Apesar de ter fechado o Conselho Nacional de Segurança Alimentar em seu primeiro dia de governo, o candidato do Partido Liberal ainda propõe que “nutrólogos e nutricionistas sejam ouvidos a fim de contribuir na segurança alimentar da população”, e promete seguir com a titulação de assentados da reforma agrária nos governos do PT, concretizada pelo programa Titula Brasil

Ainda que seu governo tenha atingido os níveis mais altos de insegurança alimentar dos últimos vinte anos, Bolsonaro menciona a palavra “fome” apenas uma vez em todo o programa. O termo “insegurança alimentar” não foi mencionado. 

Procuramos a campanha de Jair Bolsonaro através de sua assessoria de imprensa para esclarecimento de algumas das propostas, mas não houve resposta até o fechamento da reportagem. 

Propostas de Bolsonaro para fome, alimentação e agricultura

• Fortalecer a capacidade de agregação de valor da agropecuária
• Aumentar a produção nacional de fertilizantes
• Ampliar o sistema de proteção social
• Acelerar o processo de combate à desigualdade
• Equilibrar demanda interna e externa de alimentos, com prioridade para demanda interna

Faltou falar da concentração fundiária, diz economista

Para Guilherme Delgado, que é doutor em economia e atuou por 30 anos como pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), os programas chamam a atenção pela ausência de menção à concentração fundiária como problema a ser enfrentado. 

“Todos têm esse ponto negativo em comum”, disse ele em conversa com o Joio. “O programa do Lula até fala em fazer a reforma agrária, mas toca no assunto de maneira superficial”.

Delgado comenta também que a proposta do candidato Ciro Gomes de realizar um zoneamento agroecológico na Amazônia é interessante, mas precisaria ser acompanhada de outras políticas públicas e de um código de punição a infratores. 

“Claro que quando se propõe o zoneamento, é preciso impor castigos aos estabelecimentos promotores da poluição, escassez hídrica e depredação por agrotóxicos”, argumenta o economista. 

Para o professor, a titulação de terras sem critérios, como aquela conduzida pelo governo Bolsonaro, também pode se mostrar desastrosa. “Ao entregar o título e sair de mansinho do sistema, sem fazer nenhuma condicionalidade, [o governo] provavelmente vai estar entregando para o mercado de terras aquele assentamento que foi conquistado a duras penas”. 

Renda Mínima é pop

Pedro Nery, doutor em economia e professor do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), destaca a importância que as propostas de renda mínima ganharam nos programas. 

“A experiência exitosa do auxílio emergencial explica parte dessa centralidade na agenda, mas também o fato de a direita ter sido obrigada a abraçar as transferências de renda depois de o presidente perder muito apoio entre os que o elegeram, por sua gestão na pandemia”, argumenta o economista. 

Para Nery, existe espaço no orçamento para um programa robusto de renda mínima nos próximos anos. “Ele não necessariamente pagaria valores tão altos quanto o Auxílio Brasil, de R$ 600”, diz. “Mas poderia ser bem mais significativo e ter alcance maior que o Bolsa Família, que tinha média de R$ 200 e chegava a 13 milhões de famílias.”

Em relação à proteção trabalhista e previdenciária para trabalhadores de apps, o professor sugere que o regime de Microempreendedor Individual (MEI) poderia ser “turbinado”, garantindo mais direitos. 

“A MEI tem poucos benefícios comparado à CLT, mas foi a modalidade que ‘pegou’”, argumenta Nery. “Então é importante fortalecer o MEI, com mais benefícios e incentivos à adesão, ou criar uma nova legislação, que também supere a polêmica da existência ou não de vínculo com as plataformas”.

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