Em tempos de pandemia: o uso das “aulas remotas” como forma de precarização da educação em Rondônia

Em tempos de pandemia: o uso das “aulas remotas” como forma de precarização da educação em Rondônia

Por Profa. Me. Luciana Basilio dos Santos Coordenadora Pedagógica no município de Porto Velho

Considerando a situação de crise sanitária mundial é importante apontar aspectos sobre a forma como as “aulas remotas” vêm sendo adotadas por parte dos sistemas municipais e estadual de ensino no estado de Rondônia.
O governo estadual e prefeituras municipais, por meio de decretos, promoveram a suspensão das aulas presenciais em escolas públicas e privadas, como medida vital para minorar o efeito da propagação da pandemia provocada pelo novo corona vírus no estado.


Em primeira instância a constituição assegura a obrigatoriedade da educação para todos e todas como um direito, estudantes são sujeitos de direito e entre seus direitos está o do acesso a uma educação escolar que amplie sua visão de mundo e contribua para o seu desenvolvimento a partir da convivência social participativa, contemplando uma socialização articulada através da escola.


Amparando-se nas legislações educacional em vigência, as autoridades educacionais adotam as “aulas remotas”, como único meio e fim da garantia do cumprimento do ano letivo em vigor, ainda no ano civil de 2020. No entanto, esta medida não foi antecedida por estudos prévios (dados, índices educacionais, realidade social, socioeconômica, pedagógica e psíquica) e muito menos pela adoção de ações formativas destinadas as professoras/es e nem por políticas pedagógicas necessárias para que haja êxito na implantação de uma modalidade de ensino fora da realidade da comunidade escolar rondoniense.


É importante ressaltar que essa modalidade não está entre as experiências vivenciadas na educação básica do estado e municípios rondonienses. Quando as redes públicas de educação apostam em aulas não presenciais como estratégia de garantia de acesso ao ensino, desconsideram a realidade socioeconômica do país e do estado de Rondônia.


Os dados coletados pela pesquisa TIC Domicílios, de 2018, disponíveis no Observatório do Direito à Comunicação, apontou que mais de 50% dos domicílios brasileiros não estão conectados à internet. Na Região Norte, este número sobe para 74%, na qual o estado de Rondônia está inserido. Nas áreas rurais brasileiras 85% das residências não têm acesso a essa tecnologia.


Também é importante ressaltar o fato de que apenas 8% das casas de “classe D e E” possuem acesso à internet. A pesquisa também demonstrou que, apesar do número de conexões à internet via celular ser muito maior do que o acesso domiciliar, a grande maioria desses usuários só consegue conexão pela tecnologia 3G, por meio de planos com baixas franquias de download, o que precariza a navegação e leva ao corte da conexão após seu consumo, fora o fato de que a estabilidade do serviço e a qualidade do sinal também deixam a desejar em comparação às conexões fixas.


Considerando a realidade específica do estado de Rondônia, conforme a pesquisa síntese de indicadores sociais, divulgada no ano de 2019 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apontava que, pouco mais de 32% da população rondoniense tem restrições no acesso a educação. Sobre o acesso a internet, a pesquisa demonstra que pouco mais de 29% da população rondoniense tem restrições no acesso à internet.
Ainda, a pesquisa retrata que vinte e três (23) municípios do Estado de Rondônia tem maior população na área rural que na área urbana.
Esta realidade revela que, levada como substitutiva do ensino presencial e sem a preparação adequada, tal como tem ocorrido, o uso das “aulas remotas” tende a aumentar as desigualdades educacionais, em prejuízo da população escolar pobre.
Para que seja adotada uma modalidade similar a Educação a Distância na educação básica, mesmo nas situações previstas em lei, um conjunto de aspectos precisa ser levado em consideração, de maneira a proporcionar a oferta de uma educação igualitária e não excludente direito constitucional de todos/as os/as estudantes, sem exceção: o que demanda da escola um planejamento do processo ensino e aprendizagem diferenciado, reorganização curricular distinta e adequada, sobretudo, por exigir uma nova dinâmica para o trabalho pedagógico das/dos docentes.


É do conhecimento das autoridades educacionais que a maioria das/dos educadoras/es (sejam gestoras/es, coordenadoras/es pedagógicas/os, orientadoras/es educacionais e docentes) que trabalham nas escolas não recebeu formação inicial para desenvolver suas atividades profissionais por meio dessa modalidade. Posteriormente serão responsabilizados, individualmente, por sua implantação aligeirada, sem que qualquer organização prévia, orientação, preparação e suporte adequados lhes tenham sido garantidos pelos sistemas de ensino? Atribuir-lhes responsabilidade pelo possível fracasso do que está sendo realizado é inconcebível do ponto de vista pedagógico, legal e moral.


Sendo importante ressaltar que não foram fornecidos os recursos necessários para a preparação e acompanhamento das atividades pedagógicas que são encaminhadas aos estudantes em suas casas de forma não presencial.
A sobrecarga de trabalho e o adoecimento estão sendo relatados por profissionais, obrigados a organizar situações de aprendizagem em ambientes virtuais, produzir recursos didáticos, resolver problemas técnicos decorrentes do uso de plataformas ou aplicativos, entre outros, sem qualquer apoio institucional.


Os sistemas de ensino mesmo em situação emergencial como o caso da pandemia requer, precisam considerar as diferenças entre a linguagem adotada no ensino presencial e a mediação que ocorre a partir dos recursos midiáticos. Uma mudança abrupta na interatividade entre os sujeitos envolvidos no processo de ensino e aprendizagem requer novos mecanismos de estímulo cognitivos.


O que tem ocorrido no estado de Rondônia são “aulas remotas” reduzidas a aplicar atividades em plataforma. Sendo importante salientar que as crianças na educação infantil, no ensino fundamental e mesmo jovens do ensino médio estão ainda construindo sua autonomia e disciplina, aspectos que uma modalidade não presencial exige para sua implantação, inclusive com o público adulto.


A realidade é que a forma como as aulas não presenciais estão sendo adotadas precariamente nos sistemas de ensino, escancara a ausência de planejamento por parte das mantenedoras, que esperaram a pandemia se instalar para tomar medidas de improviso o que deixa evidente a falta desse planejamento. Assim, a precarização da educação terá impacto significativo no desenvolvimento dos/das estudantes, vítimas dos resultados negativos que já estamos verificando.
É importante destacar, também, que essa educação não presencial, tal como tem sido implantada nas redes públicas está provocando processos de exclusão e de seleção irregular de estudantes na medida em que, nas escolas públicas, existe um número significativo de estudantes que ainda não dominam as novas tecnologias, não têm acesso a computadores ou mesmo internet em suas casas. Esta situação agrava-se mais ainda nos bairros periféricos das cidades e, sobretudo, nas zonas rurais dos municípios rondonienses.


Outro fato que merece destaque é que, em função das questões sociais já relatadas, “aulas remotas” nas escolas municipais de Porto Velho tem sido um grande risco para a comunidade escolar, uma vez que a maioria dos/das estudantes não possuem internet e recursos tecnológicos em casa, a maioria está se deslocando até as escolas para buscar atividades e as professoras indo até as escolas para entregar e tirar cópias das atividades. De acordo com as orientações científicas essas idas e vindas causam aglomerações nas escolas, representando um risco de contaminação evidente, bem como o manuseio dos materiais pedagógicos por parte das professoras, pais, mães e mesmo de estudantes acentua o risco de contágio.


Pelas questões apontadas, defende-se que essa modalidade, tal como vem sendo ofertada, seja suspensa e que um planejamento sério e efetivo do ano letivo de 2020 seja realizado. Planejamento este, realizado de forma coletiva com as equipes docentes e escolas. Que o planejamento do calendário letivo não se faça baseado no ano civil e não seja delimitado por este.


As instituições educacionais precisam assumir sua responsabilidade em promover urgentemente esse debate, uma vez que a educação pública, preceito basilar do desenvolvimento humano não pode ser menosprezada em função de interesses econômicos obscuros. É importante lembrar que, especialmente na educação básica, a modalidade de educação não presencial, não reúne as condições no estado de Rondônia de substituir as experiências proporcionadas pela vivência e socializações que são próprias do espaço escolar presencial.

Envie seu Comentário

comments