POR QUEM OS SINOS DOBRAM

POR QUEM OS SINOS DOBRAM

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Quantos somos? Não sei.
Só sei que somos muitos. Talvez cem…, mil…, milhares….
Em hordas palmilhamos sorrateiramente os vastos quadrantes do planeta.

Erráticos, somos de uma tribo parida na tela onírica da divindade, cujas silhuetas foram projetadas e rascunhadas no sonho do Senhor das Esferas. Foi ele quem, inconscientemente, nos deu o sopro da vida para vagarmos, ciganos, mundo afora como arautos da ilusão perene, companheira inseparável do homo sapiens na jornada da existência.

Descendemos de uma seita mística que teve por berço o monte Olimpo, à época em que Prometeu ofereceu aos homens a pira flamejante dos deuses. Ou quem sabe tenhamos vindo mesmo da sarjeta da vida, perambulando por entre a marginália loba insana, alimentadora do pulsar locomotivo que nos impele à arte da paixão e do tesão pela vida.

Temos por berço, talvez, o vácuo, onde, paridos em meio a placentas mórbidas, fomos expelidos de uma terra de ninguém para as plagas circenses do impoluto homem sério, do cidadão de boa vontade que, três vezes por semana, funciona regularmente. Pátria não temos. Déspotas somos. Sátrapas seremos sempre. Cínicos, rimos, cremos, vivemos e apostamos: quanto pior, melhor. Quanto mais trágico, mais mágico; o que alucina, goza; o que pira, também pode; o que poderia é tese, e não tesão, e não paixão, e não arte, que é falsa, escorregadia, imoral, irresponsável, desnudante e subversiva. Qualquer semelhança é mera cumplicidade não assumida. Se Deus está morto, salve a Bahia de todos os Santos, e tudo é permitido a um galanteador!

Nós, os galanteadores, somos o avesso do avesso da lógica, somos anjos moleques, somos porta-bandeiras do lirismo que não se permite ser piegas no tempero do contato gestaltiano, somos os últimos moicanos de uma nação dispersa, somos um clã abençoado pela Rosa dos Ventos, nossa madrinha e bússola existencial; somos os iniciados na doutrina da faculdade que nos habilitou a cultivar sentimentos de humanidade, ternura, simpatia e compaixão. Somos artesãos do cortejo, eternos aprendizes do ofício de cultuar a sensibilidade perdida no tempo, obreiros da corte do bem-estar, filhos da poética; e nossa sina, diz a lenda, é padecer em luta aguerrida no combate com a indiferença robótica da gente que olha mas não vê, com a insensibilidade dos que falam mas não dizem, o desencanto daqueles que vêem o mundo apenas em preto e branco, a apatia da gente que já não mais se encanta com o sorriso da criança, a farsa mecanicista do machismo tacanho que trata a mulher como objeto de cama & mesa ao molho catupiry. Garimpamos as pedras angulares do pensar, do sentir e do agir, na tentativa de, as encontrando, devolvê-las ao seu verdadeiro dono: o coração da humanidade.

Quando parecemos encenar, estamos apenas querendo sensibilizar; quando insinuamos iludir, estamos apenas tentando encantar; quando parecemos fúteis, na verdade queremos mostrar inéditas janelas e horizontes ao espírito condicionado ao mesmismo. Por isso somos vistos andando por aí tentando espalhar nos olhos das pessoas todas as cores do arco-íris, celebrando o mistério da vida, cativando corações, colorindo o espírito humano, como uma praga de Deus vagando a esmo sem fim nem começo.

Um galanteador é um lobo da estepe que anda às cegas sem eira nem beira, tateando cego por entre o labirinto caótico da sociedade dos homens.

Não é um ser confiável o galanteador. Mas que isso, é uma desprezível criatura. Abaixo do galanteador barato só mesmo o asqueroso roçar da serpente vil que rasteja grotesca rente ao solo, como uma sanção imposta pelo Senhor nos primórdios da Criação, como nos relata o Gênese.
Ninguém mais falso, ninguém mais dissimulado, ninguém mais inconseqüente, ninguém mais falacioso e pernicioso que um galanteador de boa performance.

Deus há de predestinar justa morte ao galanteador, para que ele não se reproduza sobre a face da terra, não deixe herdeiros nem marca de pegadas no pó do chão, não atormente nem à mulher, nem ao homem nem ao Criador nem à família, em desatino que semeia o caos, rega a árvore da tempestade e colhe rios de discórdia.

Que morra o galanteador, para que o mundo tenha paz de espírito, para que a normalidade tome conta das pessoas, e que ninguém ouse um gesto diferente, e que ninguém atravesse as fronteiras do cotidiano, e que ninguém invente uma forma nova de falar de amor, e que ninguém faça da poesia menina de recado do coração, nem da rima a prostituta que iniciará mais tarde nossos filhos no mister literário sensual, e que ninguém mande flores, e que ninguém cante ao luar sob a janela da mulher amada, e que ninguém faça gentilezas extravagantes, e que ninguém sussurre confidências encantadoras, e que ninguém cometa finezas e outras amabilidades perfeitamente dispensáveis, e que ninguém se arvore a encantar a fêmea, nem a conquistar seu coração, nem arrancar-lhe um sorriso, nem fazê-la feliz nem musa de versos comprometedores, nem intente torná-la sublime, nem exaltá-la, ou excitá-la com toque de lascívia, muito menos queira macular seu espírito com o pecado da paixão.

Rufem, pois, os tambores para que o galanteador suicide-se com dignidade, dê um tiro no pé do ouvido e caia inerte em leito de morte, restabelecendo o sossego no mundo, a paz nos lares, a harmonia na alma da mulher, e a serenidade nos domínios sexuais do homem.

Não mandem flores ao túmulo do galanteador, ele de fato não merece. Joguem sal, para que não venha florescer nem mesmo a grama, e não sobre pedra sobre pedra do seu coração maldito e apaixonado.

E se missa de sétimo dia houver, o que não é recomendável, e alguém perguntar por quem os sinos dobram, digam qualquer coisa, menos que o réquiem é em louvor à alma do desalmado galanteador. Sua sombra indiferente reflete a banda podre alojada no espírito hipócrita de cada varão.

Que Deus tenha piedade de ti, quixotesco Galanteador – antes que o Diabo o carregue!!

(Basinho)

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